19/09/2025 103 min de leitura

Responsabilidade Penal de Prefeitos

Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967

Nelson Roberto Bugalho* 
Luís Roberto Gomes**

Art. 1.º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

II – utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;

V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes;

VI – deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município à Câmara dos Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos;

VII – deixar de prestar contas no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título;

VIII – contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

IX – conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

X – alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

XI – adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;

XII – antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário;

XIII – nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;

XIV – negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;

XV – deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei;

XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

 XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei; (inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

§ 1.º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e os demais, com a pena de detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

 § 2.º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.

Introdução

O Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967 dispõe, entre outras coisas, sobre a responsabilidade criminal dos prefeitos municipais (art. 1.º), que é objeto de anotação nesta obra, e sobre a responsabilidade político-administrativa desses agentes públicos (art. 4.º).

Cabe ao Poder Judiciário o julgamento do prefeito pelos vinte e três delitos definidos nos incisos I a XXIII do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967, independentemente de qualquer autorização da Câmara dos Vereadores.

Por outro lado, cabe à Câmara de Vereadores o julgamento pelas infrações político-administrativas praticadas pelo prefeito, definidas no artigo 4.º do Decreto-lei 201/1967 e sancionadas com a cassação do mandato, seguindo-se o procedimento previsto no artigo 5.º do mesmo diploma.

Além disso, mencione-se a possibilidade de responsabilização civil dos prefeitos por improbidade administrativa (Lei 8.429/1992). Aliás, a responsabilização política (por infração político-administrativa), a responsabilização judicial penal (por crimes de responsabilidade) e a responsabilização judicial civil (por infração civil de improbidade administrativa e pela obrigação de reparar o dano causado ao patrimônio público municipal), são autônomas e repousam em fundamentos diversos, admitindo coexistência e cumulação, conquanto em esferas distintas. Quer dizer, o prefeito municipal pode responder, na esfera judicial, a ação de improbidade administrativa e de reparação do dano causado aos cofres públicos, mesmo se sujeito a crime de responsabilidade previsto no art. 1.º do Decreto-lei 201/1967, além da responsabilização político-administrativa perante a Câmara de Vereadores, tudo pelo mesmo fato. 

A Emenda Constitucional 25, que entrou em vigor em 01/01/2001, definiu, no § 2.º do artigo 2.º, que acrescentou o artigo 29-A à Constituição, três condutas específicas de crimes de responsabilidade de prefeito municipal (I – efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo; II – não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; III – enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na lei orçamentária). Não previu sanção penal. Deve-se, portanto, tomar a inovação constitucional como mandato expresso de criminalização dirigido ao legislador ordinário. 

Os vereadores não se sujeitam ao processo criminal pelos crimes definidos no Decreto-lei 201/1967, que são delitos funcionais e próprios, consubstanciando-se a sujeição ativa somente na pessoa do prefeito municipal, embora se admita a figura do concurso de pessoas (CP, art. 2930). Não obstante, podem perder o mandato em virtude de sua cassação, pela Câmara, ou de sua extinção, a ser declarada pelo Presidente da Câmara, nas situações expressas nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-lei 201/1967, seguindo-se o mesmo procedimento previsto para a responsabilização político-administrativa dos prefeitos (Dec.-lei 201/1967). Note-se que a Emenda Constitucional 25, a exemplo dos prefeitos, consignou mandato expresso de criminalização ao dispor que constitui crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o gasto de mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus vereadores (art. 2.º, § 3.º), sem a previsão de sanção penal. 

Em seguida, apresentam-se os comentários aos tipos de injustos penais previstos no Decreto-lei 201/1967 (crimes de responsabilidade de prefeitos).

Apropriação ou desvio de bens ou rendas públicas

I apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; 

1. Bem jurídico

O patrimônio público e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município, não importando a origem das rendas.

3. Tipo objetivo

O tipo encerra um delito de conteúdo variado ou de ação múltipla, prevendo duas modalidades de comportamentos incriminados. Apropriar-se significa tornar próprio, tomar para si, usurpar, e desviar é alterar o destino ou a aplicação, mudar a direção, desencaminhar. Os bens e as rendas públicas constituem os objetos das ações tipificadas. Bens públicos “são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público (estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público” (Mello, 2006, p. 858). Quanto a sua destinação, o artigo 99 do Código Civil classifica os bens públicos em: a) de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; b) de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; c) os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Rendas públicas (municipais) “constituem-se unicamente dos recursos financeiros obtidos através do poder impositivo do Município (tributos) ou da utilização de seus bens e serviços remunerados pelos usuários (preços)” (Meirelles, 1994, p. 135). Todo e qualquer recurso obtido pelo Município é receita pública, aí se incluindo os tributos e preços, bem como os demais ingressos recebidos em caráter permanente, tais como participação em receitas de tributos federais e estaduais, ou ainda decorrentes de financiamentos, empréstimos, subvenções, auxílios e doações. Entretanto, apesar da distinção para fins de fixação das áreas de participação do Município na arrecadação de certos tributos, a adequação típica ao artigo 1.º, I, pode ter como objeto das ações as rendas ou qualquer outro elemento integrador da receita pública (Cf. Costa, 2002, p. 47).

4. Tipo subjetivo

O dolo e o elemento subjetivo do injusto, representado pelo especial fim de agir e gravado na expressão “em proveito próprio ou alheio”.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

Na hipótese de apropriação, a consumação se opera no momento em que o prefeito inverte a titularidade da posse, comportando-se em relação aos bens ou rendas públicas com animus domini. Em se tratando de desvio, a consumação ocorrerá no momento que houver a destinação diversa daquela preconizada pela administração pública ou pela lei, objetivando o agente beneficiar a si próprio ou a terceiro. A consumação independe da obtenção do proveito visado, sendo suficiente o desvio. A tentativa é admissível.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo, de resultado, plurissubsistente e unissubjetivo. 

8. Pena

Reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos. 

9. Ação penal 

Pública incondicionada.

Note Bem 

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 16 (dezesseis) anos – artigo 109, II, do Código Penal.

• A descrição típica do artigo 1.º, I, do Decreto-lei 201/1967 apresenta certa semelhança com o artigo 312 do Código Penal, podendo ensejar concurso aparente de normas quando a conduta proibida for praticada por prefeito. Neste caso, por conta do critério da especialidade, haverá a incidência da lei especial. 

• Desviar a destinação natural de um bem público, como ocorre com os mares, rios, ruas, estradas e praças, enseja a caracterização do delito, desde que presente também o elemento subjetivo do injusto. 

• O traço distintivo entre os incisos I e III, do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967, é a maior gravidade do primeiro com relação ao segundo, uma vez que no inciso I o desvio de rendas públicas é realizado em proveito próprio ou alheio, e na hipótese do inciso III, em que menor a reprovabilidade da conduta, o desvio pressupõe uma manipulação diversa daquela legalmente prevista na dotação orçamentária, mas o dinheiro público é empregado em favor da Administração ou no atendimento de interesses da coletividade. 

• O proveito próprio ou de terceiro objetivado pelo prefeito tanto pode ser material como moral, a exemplo, neste último caso, da obtenção de prestígio pessoal ou político. 

Utilização indevida de bens, rendas ou serviços públicos

II utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; 

1. Bem jurídico

O patrimônio público e a probidade administrativa no que tange ao uso de bens, rendas ou serviços públicos municipais.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O núcleo do tipo de injusto é composto pelo verbo utilizar, com o significado de servir-se, empregar, fazer uso ou lançar mão de alguma coisa. A conduta tipificada recai sobre bens, rendas ou serviços públicos. Os dois primeiros objetos já foram abordados no inciso anterior. Por serviço público se entende que “é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” (Mello, 2006, p. 634). Assim, o serviço público consiste basicamente no oferecimento de utilidades ou comodidades materiais (água, energia elétrica, gás, telefone, transporte coletivo etc.) aos administrados em geral, assumidos pelo Poder Público porque relevantes para assegurar as necessidades básicas da sociedade, num determinado contexto histórico. Um outro aspecto a ser considerado é que o serviço público é atividade estatal e, por isso, está formalmente subordinado a alguns princípios, tais como a continuidade, transparência, motivação, supremacia do interesse público, modicidade das tarifas e outros mais. O Poder Público poderá prestar o serviço por si mesmo ou poderá atribuir a prestação a entidades estranhas à administração, de acordo com as cláusulas que fixar, e isso se fará por meio de autorização, permissão ou concessão. Mesmo nestes casos, não perdem a natureza de serviço público as utilidades ou comodidades materiais. A utilização de bens, rendas ou serviços públicos deve ser indevida, no sentido de ser imprópria, inadequada, contrária à probidade. A expressão indevidamente é elemento normativo com referência específica à possível caracterização de uma causa de justificação, isto é, diz respeito à antijuridicidade do comportamento, embora presente no tipo de injusto (Cf. Prado, 2008a, p. 317). Dessa forma, fazer uso de bens, rendas ou serviços públicos com afronta à sua destinação específica, desatendendo o interesse público, constituirá o elemento normativo do tipo penal. 

4. Tipo subjetivo

O dolo e o elemento subjetivo do injusto, representado pelo especial fim de agir, cunhado na expressão “em proveito próprio ou alheio”.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

A consumação se opera com a efetiva utilização de bens, rendas ou serviços públicos de forma indevida, e em proveito próprio ou alheio. A tentativa é admissível diante da possibilidade de fracionamento da conduta punível.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo, materialde mera atividade, e plurissubsistente. 

8. Pena

Reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 16 (dezesseis) anos – artigo 109, II, do Código Penal.

• A autorização dada pelo prefeito ao particular para utilização de um bem público de forma contrária à sua destinação natural, a exemplo de uma rua ou praça, tipifica o delito do artigo 1.º, II, do Decreto-lei 201/1967. 

• A consumação do delito independe da produção de qualquer lesão ao patrimônio público, sendo suficiente a simples utilização indevida de bens, rendas ou serviços públicos.

• Não existe a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento de prejuízo, antes do recebimento da denúncia, nos moldes do disposto na Lei 8.137/1990 e aos crimes tributários, porquanto não há previsão legal.

Desvio ou aplicação indevida de rendas ou verbas públicas

III desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; 

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a regularidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O tipo encerra um delito de conteúdo variado ou de ação múltipla, prevendo duas modalidades de comportamentos típicos. Desviar significa mudar a direção, alterar o destino ou a aplicação, desencaminhar; aplicar indevidamente rendas ou verbas públicas denota a manipulação irregular desses recursos. As ações incriminadas recaem sobre rendas ou verbas públicas, sendo que a respeito do primeiro objeto material já foram feitas algumas anotações no inciso I deste artigo. Rendas públicas “são dinheiros especificamente destinados pela lei orçamentária (dotações) a este ou aquele serviço público ou fim de utilidade pública” (Hungria, 1959, p. 357). As modalidades típicas em análise têm praticamente o mesmo significado, porquanto desviar ou aplicar indevidamente rendas ou verbas públicas implica na destinação diversa daquela prevista no orçamento ou planos administrativos (Cf. Costa, 2002, p. 54). O delito se perfaz com a destinação ou manipulação de fundos diversamente do que está preconizado em lei ou não autorizado por ela. Não objetiva o prefeito locupletar-se ou a outrem, em detrimento da Fazenda Pública, uma vez que as rendas ou verbas são empregadas em benefício da administração pública, contudo irregularmente. Com isso, objetiva a lei penal assegurar a regularidade administrativa, no sentido de garantir que as verbas e rendas públicas sejam aplicadas de conformidade com a sua destinação específica, sem margem de liberdade conferida ao administrador municipal, pois neste caso a lei previamente assina a única aplicação possível para a hipótese em termos objetivos. 

4. Tipo subjetivo

O dolo, consistente na vontade e consciência de desviar ou aplicar irregularmente as verbas ou rendas públicas. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

O delito se consuma com a prática de qualquer das ações tipificadas, sendo irrelevante avaliar se realmente houve efetivo prejuízo às finanças públicas. É admissível a tentativa.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, de conteúdo variado, de mera atividade e plurissubsistente. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Não sendo o sujeito ativo prefeito municipal, mas sim funcionário público que pode dispor das verbas ou rendas públicas, haverá a conformação da conduta ao artigo 315 do Código Penal, desde que o agente não vise o proveito próprio ou alheio, em prejuízo da administração pública. O fim de locupletar-se ou a outrem implicará na caracterização do delito de peculato (CP, art. 312). 

• Se o desvio ou a aplicação de rendas ou verbas públicas ocorrer para o custeio de medidas de emergência, devidamente comprovado o caráter emergencial das obras e/ou atividades, estará caracterizada a justificante do estado de necessidade. 

Emprego de recursos em desacordo com os planos ou programas a que se destinam

IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;

1. Bem jurídico

Regularidade administrativa, probidade administrativa e transparência fiscal na aplicação de recursos carreados aos cofres públicos.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. Observe-se que, conquanto os recursos possam ser repassados por outras entidades, sejam públicas ou privadas, o numerário ingressa no patrimônio do município que, em razão disso, é quem sofre o prejuízo de não vê-los aplicados de acordo com os planos e programas predeterminados.

3. Tipo objetivo

O núcleo do tipo é composto pelo verbo empregar, com o significado de aplicar, investir, administrar, utilizar. As subvenções, os auxílios, os empréstimos e os recursos de qualquer natureza constituem objeto da ação de empregar (objeto material). Subvenções, segundo a Lei 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, são consideradas as “transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas” (art. 12, § 3.º). Tal norma as distingue como: a) subvenções sociais, as destinadas a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa (art. 12, § 3.º, I); b) subvenções econômicas, as destinadas a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril (art. 12, § 3.º, II). Auxílios são considerados por alguns autores como sinônimos de subvenções, por serem ambos concedidos pela União e pelo Estado para finalidades específicas de interesse público. No entanto, contabilmente, auxílios dizem respeito a investimentos de interesse público direcionados para a execução de obras públicas, equipamentos, instalações e inversões financeiras (aquisição de imóveis, participação em constituição ou aumento de capital de empresas ou entidades comerciais ou financeiras, aquisição de títulos etc. – Lei 4.320/1964, art. 12), enquanto as subvenções dizem respeito a transferências de numerário para despesas de manutenção das entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos beneficiárias. Empréstimos consistem na obtenção extraordinária de recursos públicos federais ou estaduais, mediante autorização de lei municipal, para a consecução de planos ou programas pré-determinados relativos a obras e serviços públicos. Nessa modalidade de recursos também ingressam os financiamentos oriundos de instituições financeiras federais e estaduais, para a execução de obras e serviços públicos, mediante condições especiais de crédito e pagamento. Por fim, a expressão “recursos de qualquer natureza” constitui cláusula genérica que segue à casuística, abrangendo qualquer espécie de numerário carreado aos cofres do município destinado para este ou aquele fim de interesse público. Exemplifique-se com os recursos advindos do Fundo de Participação dos Municípios. Mencione-se ainda que a Lei Complementar 101/2000, em seu artigo 25, denomina de transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde, fixando como exigências para sua realização, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias: existência de dotação específica; observância do disposto no inciso X do artigo 167 da Constituição; comprovação, por parte do beneficiário, de: a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos; b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde; c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, d) de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita; e) inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal; e) previsão orçamentária de contrapartida (art. 25, § 1.º, I, III e IV da LC 201/2000). Além disso, veda expressamente a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada (art. 25, § 2.º da LC 201/2000). O prefeito municipal deve empregar os recursos mencionados rigorosamente de acordo com os planos, os programas e as estipulações do gênero que justificaram sua concessão – e para os quais são destinados –, velando pela regularidade administrativa na aplicação das verbas obtidas exata e especificamente aos fins públicos predeterminados. Fora daí, haverá a desconformidade, a irregularidade, o desacordo previsto na figura típica em questão.  

4. Tipo subjetivo

O dolo. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com o emprego dos recursos em desacordo com os planos e programas a que foram destinados. Não se exige a ocorrência de efetivo prejuízo aos cofres municipais para a consumação. Basta que haja a utilização dos recursos em desconformidade com os planos e programas a que foram destinados. Observe-se, entretanto, que mesmo não havendo prejuízo efetivo ao erário, haverá lesão aos bens jurídicos regularidade administrativa, probidade administrativa e transparência fiscal. 

7. Classificação

Delito especial próprio, plurissubsistente, comissivo e de resultado. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• A tipicidade se perfaz com o simples desvio de finalidade no emprego das subvenções, dos auxílios, dos empréstimos e dos recursos de qualquer natureza, mesmo que a destinação irregular dada pelo prefeito também seja de interesse público. Nesta situação, porém, não se afasta a possibilidade de haver estado de necessidade ou causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, caso presentes os respectivos pressupostos. 

• O artigo 315 do Código Penal é norma geral em relação ao inciso IV do artigo 1.º do Decreto–lei 201/1967, cuidando-se aqui de delito especial próprio e funcional, cujo sujeito ativo é o prefeito municipal. Caso o emprego irregular seja realizado exclusivamente por outra pessoa que não o prefeito ou seu substituto, incorrerá no delito previsto no artigo 315 do Código Penal, sem prejuízo de concurso material ou formal com outros delitos, conforme o caso. Haverá, porém, participação do terceiro que se alia ao prefeito na prática do delito previsto no inciso IV do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967, ex vi do artigo 30 do Código Penal, uma vez que a condição de caráter pessoal é elementar do crime. 

Ordenar ou efetuar despesas em desacordo com a lei

V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes;

1. Bem jurídico

As finanças públicas, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

Incrimina-se a conduta do prefeito municipal que ordena ou efetua despesas não autorizadas por lei, ou as realiza em desacordo com as normas financeiras pertinentes. Trata-se de tipo misto alternativo, cujo núcleo contém: a) “ordenar despesas não autorizadas por lei”; b) “efetuar despesas não autorizadas por lei”; e c) “realizar despesas em desacordo com as normas financeiras pertinentes”. Ordenar consiste em determinar, mandar, dispor. Efetuar significa executar, efetivar, concretizar. E realizar significa cumprir, executar, efetivar, pôr em prática, podendo-se dizê-lo verbo sinônimo do verbo efetuar. As despesas públicas, que são todos os dispêndios que a Administração “faz para o custeio de seus serviços, remuneração de servidores, aquisição de bens, execução indireta de obras ou serviços e outros empreendimentos necessários à consecução de seus fins”, devem realizar-se “em estrita consonância com o princípio da legalidade, que, nos termos da Constituição da República, impõe não só a autorização legislativa para a sua efetivação como, também, a fixação legal do quantum do dispêndio autorizado (art. 165, § 8.º)” (Meirelles, 1994, p. 217). Nesse sentido, a Lei 4.320/1964, em seus artigos 4.º e 6.º, já determinava que a lei orçamentária compreenderá todas as despesas e receitas próprias da Administração Pública, que constarão pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções. E, de seu turno, dispõe o artigo 5.º, § 1.º, da Lei Complementar 101/2000 que “todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as atenderão, constarão da lei orçamentária anual”. Ao desobedecer essas normas financeiras e ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, o prefeito incorrerá no delito previsto no inciso V, artigo 1.º, do Decreto-lei 201/1967. É de se notar, aliás, que a modalidade delitiva alternativa de efetuar despesas não autorizadas por lei é espécie da terceira modalidade (realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes), já que não passa de uma forma de efetivação de despesas em desacordo com normas financeiras, no caso o artigo 5.º, § 1.º, da Lei Complementar 101/2000, e os artigos 4.º e 6.º da Lei 4.320/1964. Por fim, ressalte-se que o dispositivo alberga norma penal em branco quando se refere a “normas financeiras pertinentes”, em cujo rol estão, por exemplo, a Lei 4.320/1964 e a Lei Complementar 101/2000, sem prejuízo de outras disposições legais que regulem a matéria. 

4. Tipo subjetivo

O dolo. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.


6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a expedição da ordem para a realização de despesas sem previsão legal (delito de mera atividade), com a efetivação dessas despesas (delito de resultado), ou com a realização de despesas em desacordo com as normas financeiras (delito de resultado). Admite-se a tentativa nestas duas últimas modalidades. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo e de mera atividade (na modalidade ordenar) ou de resultado (nas modalidades efetuar e realizar).

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O empenho, como instrumento legal de controle da destinação regular das dotações orçamentárias, é ato administrativo financeiro e contábil obrigatório que cria a obrigação da Administração de efetuar pagamento pendente ou não do implemento de condição (Lei 4.320/1964, art. 58), e a realização de despesas sem sua prévia execução pelo prefeito caracteriza o delito previsto no inciso V do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967.

• Além de o empenho ser prévio, sua conformação deve ser regular, atendendo aos requisitos das normas pertinentes. A própria Lei 4.320/1964, em seu artigo 59, no § 4.º introduzido pela Lei 6.397/1976, prevê que se reputam nulos e de nenhum efeito os empenhos e atos praticados em desacordo com o disposto nos §§ 1.º e 2.º do mesmo artigo, sem prejuízo da responsabilidade do prefeito nos termos do artigo 1.º, V, do Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967. 

• Realizar despesas dispensando ou inexigindo licitação em desacordo com a lei, não observando as formalidades legais, ou impedindo, frustrando ou fraudando o procedimento licitatório, constitui crime definido na Lei 8.666/1993 (arts. 89 e ss.).

• O inciso V do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967 é norma especial em relação ao artigo 359-D do Código Penal, introduzido pela Lei 10.028/2000, que criminaliza a conduta de “ordenar despesa não autorizada por lei”.

Omissão na prestação de contas anuais da administração financeira

VI – deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município à Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos.

1. Bem jurídico

As finanças públicas, a regularidade administrativa, a probidade administrativa e a transparência fiscal.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

É tipificada a conduta do prefeito municipal que se omite no dever de prestar contas ao órgão competente (Câmara Municipal, Tribunal de Contas do Estado e Tribunal de Contas da União) sobre a administração financeira do município. Administração financeira consiste na gerência administrativa e contábil das finanças públicas, é a administração do dinheiro público. A prestação de contas é um instrumento de transparência da gestão fiscal (LC 101/2000, art. 48, caput), em consonância com o princípio democrático e a participação popular, considerando que as contas apresentadas pelo Chefe do Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade (LC 101/2000, art. 49). O prefeito municipal, anualmente, deverá prestar contas à Câmara de Vereadores para julgamento, com parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente (Lei 4.320/1964, art. 82, caput, e § 1.º), o que deflui do mandamento constitucional de que “a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo municipal” (CF, art. 31, caput). Seja à Câmara Municipal, seja aos Tribunais de Contas, a prestação deve se dar nos “prazos e condições estabelecidos”. Trata-se aqui de norma penal em branco, complementada por atos normativos de natureza diversa, como normas municipais, regulamentos e instruções normativas dos Tribunais de Contas. A locução nuclear deixar de, que significa “abster-se de” indica que se trata de delito omissivo próprio, que se perfaz com a não prestação das contas nos prazos e condições estabelecidos. 

4. Tipo subjetivo

O dolo. Não se exige elemento subjetivo do injusto.

5. Concurso de pessoas

Não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos delitos omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a omissão do prefeito em efetuar a prestação de contas na forma e no prazo estabelecidos pelas normas pertinentes. Vencido o prazo para a prestação, consubstancia-se o delito. A tentativa é inadmissível, por se tratar de delito omissivo próprio. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, omissivo próprio, de mera conduta e instantâneo. Cuida-se, ainda, de crime de mão própria, haja vista que o prefeito, pessoalmente, é quem deverá realizar a prestação de contas (LC 101/2000, art. 49, caput). 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal. 

• O prefeito municipal que apresenta a prestação de contas fora do prazo legal, porém justificadamente, por conta de dificuldades administrativas fundadas e comprovadas, não pratica o delito previsto no artigo 1.º, VI, do Decreto-lei 201/1967, por ausência de dolo. 

Omissão na prestação de contas no prazo legal ao órgão competente, da aplicação de recursos recebidos

VII – deixar de prestar contas no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos, subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo;

1. Bem jurídico

As finanças públicas, a regularidade administrativa, a probidade administrativa e a transparência fiscal.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

De forma semelhante ao inciso VI, incrimina-se a conduta do prefeito municipal que se omite no dever de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente. Diferencia-se, porém, o inciso VII porque aqui a omissão na prestação de contas se refere à aplicação de recursos, empréstimos, subvenções ou auxílios, recebidos a qualquer título, por determinado órgão. Nota-se ainda que não só o emprego desses recursos em desacordo com os planos ou programas a que se destinam é tipificado como crime (inciso IV), mas também a não prestação de contas da utilização desses recursos. Os recursos federais ou estaduais recebidos pelo município são vinculados a determinada finalidade e disso deve o prefeito prestar contas ao órgão competente, na forma em que dispuser o diploma normativo regente do ato (leis, decretos, resoluções, instruções etc.) ou o instrumento de ajuste entre as partes interessadas (contratos administrativos, convênios, parcerias etc.). A expressão “recebidos a qualquer título” significa que não importa se o dinheiro foi recebido a título gratuito ou oneroso, se há ou não necessidade de contraprestação por parte do Município. Importa é que, recebido o recurso, nasce a obrigação de prestação de contas que, se descumprida, faz incidir a norma penal em questão.  

4. Tipo subjetivo

O dolo. Não se exige elemento subjetivo do injusto.

5. Concurso de pessoas

Não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a omissão do prefeito em efetuar a prestação de contas na forma e no prazo estabelecidos pelas normas ou atos pertinentes. Vencido o prazo para a prestação, consubstancia-se o delito. A tentativa é inadmissível, por se tratar de delito omissivo próprio. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, omissivo próprio, de mera conduta e instantâneo.

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O prefeito municipal que emprega subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam, e, em relação a esses mesmos recursos, nega-se a prestar contas ao órgão concedente no prazo convencionado, pratica o delito do inciso IV, em concurso material com o delito do inciso VII, ambos do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967. 

Contração de empréstimo, emissão de apólices ou imposição ao Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara ou em desacordo com a lei

VIII – contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem a autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

O núcleo do tipo se exprime por contrair empréstimo, emitir apólices ou obrigar o Município por títulos de crédito, de forma irregular (sem autorização da Câmara ou em desacordo com a legislação). Em suma, a conduta consiste no endividamento do Município ao arrepio dos requisitos legais. Contrair significa contratar, obter, adquirir, avençar, imputar-se obrigação. Emitir quer dizer “pôr em circulação”, expedir. Obrigar quer dizer sujeitar, impor, compelir. Sobre empréstimos, vide as anotações ao inciso IV do artigo 1.º. Apólices são, no caso, apólices da dívida pública, títulos representativos de frações da dívida pública estatal, emitidos em determinadas situações como meio de obtenção imediata de recursos pelo Estado, mediante a assunção da obrigação de resgate perante terceiros. Títulos de crédito são os documentos necessários para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado (Vivante), com a observação de que se diferenciam dos demais documentos representativos de direitos e obrigações, haja vista que: a) se referem unicamente a relações creditícias; b) têm por característica a facilidade na cobrança do crédito em juízo; e c) ostentam o atributo da negociabilidade (Martins, 2005, p. 370-371). Observa-se que o delito se aperfeiçoa quando a contração de empréstimos, a emissão de apólices ou a obrigação por títulos de crédito ocorrerem sem autorização da Câmara (requisito específico), ou em desconformidade com a legislação que estiver regulando a matéria na ocasião (requisito genérico). Neste último caso, aliás, cuida-se de norma penal em branco.

4. Tipo subjetivo

O dolo. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

Consuma-se o delito com a contração do empréstimo, a emissão de apólices ou a imposição ao Município da obrigação consubstanciada em algum título de crédito. Basta a obtenção de um único empréstimo ou a obrigação do Município por um único título de crédito e o crime estará consumado. É necessária, porém, a emissão de apólices. Trata-se de delito de resultado, em que é admitida a tentativa. 

7. Classificação

Delito especial próprio, plurissubsistente, comissivo e de resultado. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal. 

• O delito previsto no inciso VIII do artigo 1.º, do Decreto-lei 201/1967 é norma especial em relação ao artigo 359-A do Código Penal, introduzido pela Lei 10.028, de 19.10.2000 (“ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa”), por definir como sujeito ativo o prefeito municipal, e por especificar as operações realizadas.

Concessão de empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara ou em desacordo com a lei

IX – conceder empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei.

1. Bem jurídico

Patrimônio público municipal, regularidade administrativa e probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

Enquanto no inciso IV do Decreto-lei 201/1967 o tipo penal se consubstancia pelo emprego irregular (com desvio de finalidade) de subvenções, auxílios e empréstimos, no inciso IX tipifica-se a conduta do prefeito municipal que concedê-los sem autorização da Câmara ou em desacordo com a lei. Como se percebe, enquanto lá se tutela a correta aplicação dos recursos recebidos, aqui se objetiva que a concessão desses mesmos recursos a outras entidades seja realizada de acordo os requisitos mencionados, a fim de proteger-se o patrimônio público municipal, e de velar-se pela regularidade e pela probidade administrativa. Por outro lado, enquanto no inciso VIII se trata de contrair empréstimo, o inciso IX cuida antagonicamente de conceder empréstimo. A exemplo do inciso IX compõe o tipo a elementar consistente na ausência de autorização da Câmara, além de haver elemento normativo correspondente à desconformidade com a legislação que estiver regulando a matéria na ocasião (requisito genérico). Neste último caso, aliás, cuida-se de norma penal em branco. Por fim, deve-se observar que, mesmo a intenção do prefeito sendo nobre e mesmo sendo atendida finalidade de interesse público de outra entidade, e mesmo não havendo real prejuízo ao Município, não se afasta a responsabilidade penal, bastando que a conduta seja realizada sem autorização da Câmara ou em desacordo com formalidades legais para a consumação do delito. 

4. Tipo subjetivo

O dolo. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

O delito se aperfeiçoa com a concessão de empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei. Admite-se a tentativa.

7. Classificação

Delito especial próprio, plurissubsistente, comissivo e de resultado. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal. 

• Ainda que haja posterior aprovação das contas do prefeito municipal pela Câmara de Vereadores, incluída nelas a concessão sem autorização ou em desacordo com a lei de empréstimos, auxílios ou subvenções, não se afasta a responsabilidade penal pelo delito do inciso IX, do Decreto-lei 201/1967 já consumado. 

Alienação ou oneração de bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei

X – alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; 

1. Bem jurídico

O patrimônio público municipal, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O tipo encerra um delito de conteúdo variado ou de ação múltipla, prevendo duas modalidades de comportamentos incriminados. A alienação é uma das causas de perda da propriedade (CC, art. 1275, I). Assim, alienar é transferir o domínio de um bem do patrimônio de uma pessoa para o de outra, mediante compra e venda, permuta, doação, dação em pagamento etc. No que diz respeito aos bens públicos, são eles adquiridos pelas mesmas formas previstas no direito privado, já mencionadas, e ainda por formas específicas do direito público, como a desapropriação ou a determinação legal, a exemplo, neste último caso, do que determina o artigo 22 da Lei 6.766/1979 (Cf. Mello, 2006, p. 869). A alienação de bens públicos só pode se operar quando evidenciado o interesse público e nos termos e forma preconizados na lei, sob pena de nulidade do ato e caracterização de ilícito penal. A esse respeito, assinala-se que a alienação de bens exige, para sua legalidade, “a existência de interesse público devidamente justificado, bem como avaliação, e, no caso de se tratar de alienação de bens imóveis, exige, ainda, concorrência e autorização legislativa se de propriedade de pessoa jurídica (União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquia) ou de fundações, dispensada esta quando se tratar de alienação de bens móveis, se não exigida por lei específica” (Gasparini, 1995, p. 325). A outra conduta tipificada é onerar, que, no caso, significa impor ônus ou obrigação a bem imóvel ou rendas municipais, convertendo-os em garantia do cumprimento da obrigação. Como regra, os bens públicos são protegidos pelas cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade e pela não-oneração que lhes conforma o regime jurídico. “Da impenhorabilidade e da inalienabilidade exsurge a impossibilidade de oneração dos bens públicos, isto é, a não-oneração. O administrador público (Prefeito, Governador, Presidente) não pode gravar livremente os bens que estão sob sua guarda, conservação e aprimoramento. Em outras palavras, esses agentes, porque não são donos desses bens, não podem onerá-los. Inexiste, pois, em tese, a possibilidade de serem ditos bens públicos gravados com penhora, hipoteca ou anticrese” (Gasparini, 1995, p. 477). Dessa forma, o penhor, a anticrese ou hipoteca não podem incidir sobre bens públicos, até porque tais garantias somente poderão ser consagradas por quem pode alienar a propriedade, como previsto no artigo 1.420 do Código Civil. Contudo, ensina Diógenes Gasparini que qualquer dessas garantias poderá ser oferecida porque é essência da autonomia da entidade estatal legislar sobre aquisição, uso, administração, oneração e alienação de seus bens. Assim, não só pode onerar, como alienar, e a alienação representa um plus em relação ao ônus (op. cit., p. 478). Assim, “desde que alienável, o bem imóvel público pode ser constituído em garantia e, portanto, tornar-se onerado por qualquer das formas previstas em lei. E a condição primeira para que isso ocorra é a autorização da Câmara Municipal, por meio de lei regularmente votada” (Stoco, 2001, p. 2715). No que diz respeito às rendas públicas municipais, recursos financeiros obtidos por meio de tributos ou da utilização de bens e serviços remunerados pelos usuários (preços), podem ser elas oneradas se previamente forem atendidas certas condições, sobretudo o interesse público, a autorização legislativa e a observância das normas pertinentes à matéria. 

4. Tipo subjetivo

O dolo, consistente na vontade livre e consciente de alienar ou onerar bens imóveis ou rendas públicas do município, sem a necessária e prévia autorização da Câmara Municipal ou em desacordo com a lei.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

O delito se consuma com a concretização da alienação ou oneração de bens imóveis ou rendas municipais, sem a prévia autorização da Câmara ou em desacordo com a lei. Não há exigência de obtenção de qualquer vantagem pelo prefeito, sendo suficiente a simples realização dos comportamentos típicos. A tentativa é admissível.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo, de resultado, plurissubsistente e unissubjetivo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal 

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Os bens de uso comum ou especial são inalienáveis enquanto conservarem tal qualificação, isto é, enquanto estiverem afetados a tais destinos, caracterizando o delito do artigo 1.º, X, do Decreto-lei 201/1967 a sua alienação sem a desafetação previamente autorizada pelo legislativo municipal. 

Caracteriza o delito do artigo 1.º, X, do Decreto-lei 201/1967 a alienação de bens que são, por natureza, destinados à apropriação pública (vias de circulação, praças, parques, mar territorial, terrenos de marinha, terrenos marginais, praias, rios, lagos, águas de modo geral etc.), isto é, são bens predispostos a atender o interesse público, não cabendo a apropriação privada. 

• Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, de tal modo que a alienação daqueles naturalmente destinados à apropriação pública (vias e praças) e dos demais espaços e áreas sem prévia autorização legislativa, caracteriza, em tese, o crime de responsabilidade previsto no artigo 1.º, X, do Decreto-lei 201/1967.

• A autorização legislativa posterior à alienação ou oneração de bens imóveis, ou rendas municipais, não desnatura o delito de responsabilidade previsto no artigo 1.º, X, do Decreto-lei 201/1967.

Aquisição de bens, ou realização de serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei

XI – adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;

1. Bem jurídico

O patrimônio público municipal, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

As condutas incriminadas neste tipo misto alternativo são adquirir e realizar. Adquirir (bens), no sentido empregado no texto, significa o ato de obter a propriedade de coisa imóvel ou móvel; realizar (serviços e obras) indica efetuar, executar serviços ou obras. Assim, enquanto a aquisição recai sobre bens, a realização incide sobre serviços ou obras, que personificam os objetos materiais do injusto penal. Os bens são os imóveis e móveis, nos termos assinalados nos artigos 79 a 84 do Código Civil. A Lei de Licitações Públicas (Lei 8.666/93), em seu artigo 6.º, considera obra toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta (inciso I), e define serviço como toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais (inciso II). Assim, obra é toda contratação que implicar na ampliação física do patrimônio público, e serviço é toda atividade contratada que objetive manter e operar os próprios da Administração (Cf. Citadini, 1999, p. 72). Os serviços públicos são atividades destinadas à satisfação da coletividade em geral, cuja realização não convém fiquem sob a responsabilidade do particular, e é justamente pela sua relevância que “o Estado considera de seur dever assumi-las como pertinentes a si próprio (mesmo que sem exclusividade) e, em conseqüência, exatamente por isto, as coloca sob uma disciplina peculiar instaurada para resguardo dos interesses nelas encarnados: aquela disciplina que naturalmente corresponde ao próprio Estado, isto é, uma disciplina de Direito Público” (Mello, 2006, p. 633-634).

A norma penal proíbe a aquisição de bens e a realização de obras ou serviços sem concorrência ou coleta de preços, quando tais procedimentos forem exigidos pela lei. O artigo 37, XXI, da Constituição Federal determina que ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. A licitação “é um procedimento administrativo destinado a provocar propostas e a escolher proponentes de contratos de execução de obras, serviços, compras ou de alienações do Poder Público” (Silva, 2005, p. 672). O artigo 22 da Lei 8.666/93 prevê como modalidades de licitação a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão, sendo que a Lei 9.472/1997 contemplou mais duas outras modalidades: o pregão e a consulta (arts. 54 a 59). O tipo de injusto penal menciona apenas a concorrência e a coleta de preços, sendo que nesta hipótese refere-se a lei à tomada de preços. A concorrência é modalidade de licitação da qual podem participar quaisquer interessados que comprovadamente preencham os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital, e precedida de ampla publicidade (Lei 8.666/93, art. 22, § 1.º), geralmente destinada a transações de grande vulto; a tomada de preços, em geral destinada a transações de médio vulto, é modalidade de licitação envolvendo interessados previamente cadastrados ou que atendem todas as condições exigidas para o cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas (Lei 8.666/93, art. 22, § 2.º)

A licitação nem sempre é obrigatória, pois são licitáveis apenas os objetos que possam ser fornecidos por uma pluralidade de pessoas, sobretudo porque a licitação pressupõe disputa, ao menos potencial, entre ofertantes. Assim, haverá inviabilidade lógica da licitação, por ausência de seus pressupostos lógicos, nas hipóteses de o objeto pretendido ser singular ou quando houver um único ofertante (Cf. Mello, 2006, p. 506). De qualquer forma, a Lei 8.666/93 prevê expressamente hipóteses de dispensabilidade de licitação (art. 24) e inexigibilidade de licitação (art. 25). 

4. Tipo subjetivo

O dolo, que compreende a vontade livre e consciente de adquirir bens, ou realizar serviços ou obras, sabendo que há necessidade de se promover concorrência ou coleta de preços porque exigidos em lei.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

O delito se consuma com a efetiva aquisição de bens ou com a realização de serviços ou obras, não precedidos da necessária licitação. A tentativa é admissível.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo, material, plurissubsistente e unissubjetivo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• A simples contratação de serviços ou obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei, não é suficiente para a consumação do delito de responsabilidade previsto no artigo 1.º, XI, do Decreto-lei 201/1967, podendo caracterizar, contudo, a forma tentada. 

Antecipação ou inversão a ordem de pagamento a credores do Município

XII – antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; 

1. Bem jurídico

O patrimônio público, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O tipo encerra um delito de conteúdo variado ou de ação múltipla, prevendo duas modalidades de comportamentos incriminados. Antecipar é adiantar, é efetuar o pagamento de credor do Município antes do tempo estabelecido; inverter significa alterar a ordem de pagamento. A antecipação necessariamente implica na inversão da ordem de pagamento, ao passo que a alteração pode não implicar na antecipação, mas sim na efetuação do pagamento depois do tempo estabelecido, de sorte que o tipo de injusto poderia ter contemplado apenas uma única modalidade de conduta: inverter. O pagamento é o último estágio da realização da despesa pública, entendida esta como sendo “todo dispêndio que a Administração faz para o custeio de seus serviços, remuneração de servidores, aquisição de bens, execução indireta de obras e serviços e outros empreendimentos necessários à consecução de seus fins” (Meirelles, 1994, p. 215). Os estágios que precedem o pagamento são o empenho e a liquidação, nos termos do que dispõe os arts. 58 a 70 daa Lei 4.320/1964. É natural que os pagamentos sejam efetivados de acordo com uma ordem cronológica, não sendo permitida a sua inobservância (antecipação ou inversão), salvo quando isso implicar em vantagens para o erário público municipal. A expressão “sem vantagem para o erário” é o elemento normativo do tipo, e sua compreensão deve ser fixada por critérios preferencialmente objetivos, sob pena da avaliação do que é vantajoso ou não ficar ao inteiro arbítrio do chefe do Executivo. As mais variadas circunstâncias podem ensejar vantagens para o erário municipal, a exemplo da redução de uma conta a pagar ou o seu pagamento parcelado. Contudo, a decisão de antecipar ou inverter a ordem de pagamento, que no final é discricionária para o prefeito, deve ser precedido de análise técnica a respeito de sua conveniência, como forma de garantir o interesse público, uma vez que o desrespeito à ordem cronológica sem vantagem alguma para o erário municipal importará na caracterização de delito de responsabilidade.

4. Tipo subjetivo

O dolo, consistente na vontade livre e consciente de antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credor do Município, sem vantagem para o erário. Além disso, a face subjetiva do tipo de injusto não pode prescindir do elemento subjetivo do injusto, representado pelo especial fim de agir consistente em causar prejuízo para o erário em benefício próprio ou de outrem.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

O delito, em qualquer uma de suas modalidades típicas, “consuma-se quando a ordem de pagamento é violada, isto é, quando alguém recebe um pagamento antes de outro credor” (Ramos, 2002, p. 73). A tentativa é admissível.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, material, plurissubsistente e unissubjetivo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O credor do Município favorecido com a antecipação ou inversão de pagamento, sem vantagem para o erário, se apenas ofertou ou prometeu vantagem ao prefeito municipal, não responde pelo delito do artigo 1.º, XII, do Decreto-lei 201/1967, podendo caracterizar corrupção ativa (CP, art. 333). 

Nomeação, admissão ou designação de servidor contra expressa disposição de lei

XIII – nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; 

1. Bem jurídico

O patrimônio público, a normalidade funcional da Administração Pública, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O tipo de injusto prevê três modalidades de comportamentos típicos, encerrando assim um delito de conteúdo variado ou de ação múltipla: nomear, admitir ou designar. A nomeação é o “ato administrativo mediante o qual a autoridade competente dá a um cargo seu competente titular” (Gasparini, 1995, p. 197). A nomeação é uma das formas de provimento de cargo, ao lado da promoção, readaptação, reversão, aproveitamento, reintegração e recondução, e com estas não se confundem. Em todos estes casos o provimento deve ocorrer dentro dos limites estabelecidos em lei, mas só haverá crime de responsabilidade no caso de o provimento irregular se concretizar mediante nomeação; admissão “é o meio pelo qual se opera a inclusão, provisória e precária, de pessoal no serviço público. O admitido desempenha funções, mas não ocupa cargo. O recrutamento de trabalhadores braçais, para a execução de serviços diversos em obras públicas, pode ser feito por admissão, ou ainda por contratação sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)” (Stoco, 2001, p. 2723). Os admitidos são considerados servidores públicos porque mantêm vínculos de trabalho profissional com a Administração Pública, e comumente a admissão se dá para o desempenho de funções subalternas (pedreiro, pintor, jardineiro etc.) ou para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, mas por tempo determinado (CF, art. 37, IX); por fim, a designação é o ato administrativo mediante o qual a autoridade competente, no caso o prefeito, atribui a alguém a responsabilidade de responder por um cargoo encargo de responder por um cargo ou exercer determinada função no serviço público, em caráter precário e temporário.

Essas condutas referem-se aos servidores públicos (civis, militares e governamentais), assim considerados “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos” (Di Pietro, 1998, p. 306). Declara a Carta Constitucional que a acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas é conferida aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I), sendo que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II). Assim, a legalidade do ingresso nos quadros da Administração Pública está na dependência do pleno atendimento dos requisitos exigidos em lei ou resoluções, e mediante as duas formas previstas na Constituição Federal: o concurso público e a livre nomeação. 

A face objetiva do tipo penal apresenta ainda o elemento normativo “contra expressa disposição de lei”, significando que a nomeação, admissão ou designação de servidor municipal tem que se revestir de legalidade, isto é, o prefeito deve atender rigorosamente as disposições legais pertinentes a cada um desses atos administrativos. 

4. Tipo subjetivo

O dolo, consistente na vontade livre e consciente de nomear, admitir ou designar servidor contra expressa disposição legal.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

Consuma-se o delito quando o prefeito realiza qualquer dos atos administrativos mencionados no tipo penal, isto é, quando nomeia, admite ou designa servidor afrontando expressamente a lei. Dessa forma, a realização do comportamento incriminado exaure o conteúdo do tipo legal. A tentativa é admissível.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, de mera atividade, plurissubsistente e unissubjetivo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O artigo 37, IX, da Constituição Federal dispõe que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Por conta da autonomia dos entes federativos, deve o Município prever as hipóteses de admissão, contudo, a ausência de lei municipal a esse respeito não autoriza o prefeito efetivar contratações sem observar os princípios constitucionais da administração pública e as diretivas existentes nos âmbitos federal e estadual, sob pena de caracterização do delito previsto no artigo 1.º, XIII, do Decreto-lei 201/1967. 

• O crime de responsabilidade previsto no artigo 1.º, XIII, do Decreto-lei 201/1967 encerra norma penal em branco, uma vez que se encontra incompleta a descrição das condutas incriminadas, ou seja, há que se ter em conta a norma legal extrapenal que proibia a nomeação, admissão ou designação de servidor. Referidas disposições integram o conteúdo do injusto penal e sua alteração implicará numa nova valoração jurídica do mesmo. 

Negativa de execução de lei ou omissão no cumprimento de ordem judicial

XIV – negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;

1. Bem jurídico

O normal funcionamento da Administração Pública, com o objetivo especial de assegurar a estrita observância da lei e de decisões judiciais.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeitos passivos são a União, o Estado ou o Município e, ainda, no caso de descumprimento de ordem judicial, o Estado-Juiz.

3. Tipo objetivo

As condutas incriminadas consistem em: a) negar a execução a lei federal, estadual ou municipal, ou seja, afirmar que o comando existente na lei não será cumprido, não será satisfeito, denotando uma forma passiva de resistência, de refutar o comando legal; b) deixar de cumprir ordem judicial, é forma de negar ação indicada pelo infinitivo, no caso é negar o cumprimento da ordem judicial. Neste caso, contudo, a lei impõe uma condição para a caracterização do delito: a ordem judicial deve ser descumprida sem que o prefeito esclareça o motivo da recusa ou da impossibilidade, e por escrito ao autor da ordem. Não descaracteriza o delito de responsabilidade se a motivação da recusa for meramente protocolar, sem justificativa aceitável, da mesma forma que a impossibilidade do cumprimento deve ser efetivamente demonstrada. Assim, “a motivação da recusa do Prefeito, ou da sua impossibilidade de cumprir ordem judicial, deve ser aceita pela autoridade competente. Embora não esteja explícito na lei, parece-nos óbvio que a aceitação é condição indispensável para que não se tenha por tipificada a infração penal. Pois as alegações do Prefeito, por si sós, não terão o condão de afastar a sua responsabilidade, o que, todavia, há de ser detalhadamente examinado em cada caso concreto, com vistas, principalmente, à intenção do agente” (Costa, 2002, p. 107-108). 

4. Tipo subjetivo

O dolo, consistente na vontade livre e consciente de negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, injustificadamente.

5. Concurso de pessoas

Na forma comissiva, é admissível na modalidade de participação. Já na modalidade omissiva do tipo penal, não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

Consuma-se o delito quando o prefeito realiza qualquer dos comportamentos descritos no tipo de injusto, independentemente da produção de qualquer resultado. Em se tratando da conduta de negar a execução a lei, considerando que o descumprimento do comando legal pode se dar de forma comissiva ou omissiva, não haverá possibilidade de tentativa nesta última hipótese. No que diz respeito ao descumprimento de ordem judicial, por se tratar de delito omissivo próprio, a tentativa é inadmissível. É que estando a omissão tipificada na lei, se o prefeito se omite, o delito já se consuma; se não omitir, realiza o que foi determinado e não ilícito penal algum. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, de mera atividade, comissivo e omissivo e unissubjetivo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O descumprimento de ordem judicial pelo prefeito não tipifica crime de desobediência (CP, art. 330), mas sim constitui o crime de responsabilidade previsto no Decreto-lei 201/1967, artigo 1.º, XIV.

• O dolo é elemento subjetivo imprescindível para a caracterização do injusto penal previsto no artigo 1.º, XIV, do Decreto-lei 201/1967, isto é, deverá estar evidenciada a vontade deliberada de descumprir lei ou ordem judicial, uma vez que se a desobediência decorrer de inadvertência ou da ausência de adequada orientação a respeito, não estará configurado o delito de responsabilidade. 

• Entendendo o prefeito que a lei é flagrantemente inconstitucional e, por essa razão, no exercício de suas funções, não a executa, não haverá a caracterização do crime de responsabilidade previsto no artigo 1.º, XIV, do Decreto-lei 201/1967, uma vez que a defesa dos preceitos constitucionais é atribuição de todos os Poderes da República. 

Negar o fornecimento de certidões de atos ou contratos municipais

XV – deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei; 

1. Bem jurídico

A transparência a respeito do normal e regular funcionamento da Administração Pública, com o objetivo especial de assegurar aos interessados o direito a informações e esclarecimentos de situações para a defesa de direitos.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeitos passivos são o município e, ainda, o solicitante da certidão.

3. Tipo objetivo

A conduta incriminada consiste em deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, isso significando negar o fornecimento do pedido de certidões. Cuida-se de delito omissivo próprio ou puro. É punível a não-realização de uma ação que o prefeito devia e podia realizar, sobretudo porque está gravado no artigo 5.º, XXXIV, b, da Constituição Federal, que independentemente do pagamento de taxas, é assegurado a todos “a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse social”. O não-atendimento injustificado dessa determinação constitucional pelo prefeito pode ensejar a configuração de crime de responsabilidade, ao mesmo tempo em que possibilita a propositura de mandado de segurança diante da ofensa a direito líquido e certo do interessado. A certidão (objeto material do delito) pode ser alusiva a atos ou contratos municipais. Por atos municipais, entenda-se atos administrativos municipais, aí se compreendendo portarias, instruções, circulares, ordens de serviço, despachos etc. Tais atos expressam conduta administrativa do Executivo municipal, e “são normalmente de efeitos internos, destinando-se a prover situações concretas ou a disciplinar a conduta de servidores no âmbito do serviço, pelo quê podem dispensar publicação desde que comunicados diretamente aos destinatários” (Meirelles, 1994, p. 540-541). Já o contrato administrativo é expressão reservada para designar apenas “os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público” (Di Pietro, 1998, p. 189). Podem ser citados como exemplos de contratos administrativos: o de concessão de serviço público, o de concessão de uso do domínio público, o de obra pública, o de fornecimentos em geral e os de prestação de serviços. Quanto ao prazo dentro do qual deve o pedido ser atendido, mencionado no tipo legal, estará ele previsto em leis municipais ou qualquer outro diploma federal ou estadual (norma penal em branco). O pedido de certidão “deve ser claro, indicando a finalidade desejada pelo requerente. Este deverá mencionar, ainda, a necessidade e o interesse que justifiquem a solicitação” (Costa, 2002, p. 111). 

4. Tipo subjetivo

Representado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de negar certidões de atos ou contratos administrativos municipais, no prazo que a lei assinalar.

5. Concurso de pessoas

Não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

A consumação se verifica quando o sujeito ativo não fornece a certidão solicitada. Por se tratar de delito omissivo próprio ou puro, a tentativa é inadmissível. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, omissivo, de mera conduta e instantâneo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Não constitui o crime de responsabilidade previsto no artigo 1.º, XV, do Decreto-lei 201/1967, a recusa do prefeito em atender solicitação genérica de certidões. O pedido deve ser feito sobre fatos jurídicos específicos, inclusive com a menção da necessidade e o interesse que justifiquem a solicitação.

• O simples atraso na expedição da certidão solicitada, desde que plenamente justificado, afasta a possibilidade de configuração do crime de responsabilidade (Dec.-lei 201/1967, art. 1.º, XV), até porque a conduta núcleo do tipo é deixar de fornecer, denotando vontade de não-atendimento do pedido de certidão. 

Omissão na ordemnação  deda redução do montante da dívida consolidada nos prazos estabelecidos em lei

XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal;

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a regularidade administrativa. Ao comentar os crimes contra as finanças públicas do Código Penal, Luiz Regis Prado anota que “a atividade financeira do Estado consiste na obtenção de gestão e aplicação de recursos financeiros com vistas à consecução de seus fins. Constitui, portanto, uma atividade que torna possível a existência de todas as demais. Como a realização dessas tarefas demanda custos insuscetíveis de serem arcados pelo patrimônio estatal, o poder público lança mão de meios coercitivos de obtenção de recursos, o que faz distinguir a atividade financeira estatal daquela exercida por uma entidade privada” (Prado, 2007a, p.1008)

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

Incrimina-se a conduta de deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal. A conduta núcleo do tipo consiste na omissão de dever funcional no prazo estabelecido em lei. “A ordem omitida evitaria, em tese, a lesão ao erário público, determinando que o montante da dívida consolidada fosse reduzido, até ficar dentro do limite máximo autorizado” (Bitencourt, 2002b, p. 88). Trata-se de delito omissivo próprio ou puro. É punível a não-realização de uma ação que o prefeito devia e podia realizar objetivando uma gestão fiscal planejada e transparente do município. Isso se deve especialmente porque “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar” (LC 101/2000, art. 1.º). 

A omissão do dever recai sobre o montante da dívida consolidada, entendida esta como “o montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses” (LC 101/2000, art. 291.º, I). Também integram a dívida pública consolidada “as operações de crédito de prazo inferior a doze meses cujas receitas tenham constado do orçamento” (LC 101/2000, art. 291.º, § 3º I). A ausência de determinação no sentido de ser reduzido o montante da dívida pública consolidada constituirá crime de responsabilidade se acaso não realizada a redução nos prazos estabelecidos em lei e no limite máximo fixado pelo Senado Federal, encerrando o tipo penal norma penal em branco

4. Tipo subjetivo

É representado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de omitir a ordem de reduzir o montante da dívida pública consolidada, no tempo e limite estabelecidos em lei e pelo Senado Federal, respectivamente. 

5. Concurso de pessoas

Não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

A consumação se verifica quando, no tempo estabelecido em lei, o sujeito ativo deixa de ordenar a redução do montante da dívida consolidada. Por se tratar de delito omissivo próprio ou puro, a tentativa é inadmissível. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, omissivo, de mera conduta e instantâneo. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O elemento subjetivo do tipo legal do artigo 1.º, XVI, Decreto-lei 201/1967, é representado pelo dolo e pressupõe que o prefeito municipal conheça o limite da dívida pública consolidada estabelecida pelo Senado Federal, bem como os prazos estabelecidos em lei, circunstâncias indispensáveis para a tipicidade da conduta.

• A responsabilidade de ordenar a redução do montante da dívida consolidada é pessoal do prefeito, ainda que tenha delegado a função a servidor público municipal. Dessa forma, a ausência dessa determinação pode conduzir à caracterização do crime de responsabilidade previsto no artigo 1.º, XVI, do Decreto-lei 201/1967, até porque o tipo de injusto emprega a locução deixar de ordenar, evidenciando que a atividade é delegada e cabe ao prefeito determinar aos seus auxiliares a observância da adequada e correta gestão fiscal do município.

Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com a lei

XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;

1. Bem jurídico

As finanças públicas, no sentido de se garantir o equilíbrio das contas públicas, a regularidade e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

Os verbos nucleares consistem em ordenar (emitir ordem, mandar, determinar, impor) e autorizar (avalizar, permitir, dar autorização). Em suma, pratica o crime quem ordena ou autoriza a abertura de crédito em desacordo com a legislação, conduta essa similar à descrita no artigo 359-A do Código Penal, que define crime contra as finanças públicas. O artigo 359-A, entretanto, é mais genérico no que tange ao objeto material, haja vista que se refere a operação de crédito, enquanto o inciso XVII do Decreto-lei 201/1967 contempla a abertura de crédito, espécie daquele gênero. Com efeito, conforme dispõe a Lei Complementar 101/2000, operação de crédito é um “compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de outros derivativos financeiros” (art. 29, III). Equiparam-se a ela a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação (art. 29, § 1.º). Abertura de crédito corresponde ao contrato firmado pelo ente público com uma instituição financeira, pelo qual esta disponibiliza um limite de recursos financeiros àquele, desde que presentes certos pressupostos e mediante determinadas condições de adimplemento (juros, encargos, prazos etc.). Tem-se como exemplo que, conforme determina a Lei Complementar 101/2000, as operações de crédito por antecipação de receitas realizadas pelos Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil (art. 38, § 2.º). Por outro lado, no artigo 359-A, as condutas incriminadas são ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito: a) sem prévia autorização legislativa; b) com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal; c) quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei. O tipo legal em apreço (inciso XVII), misto alternativo, engloba a conduta de ordenar ou autorizar a abertura de crédito: a) em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal; b) sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional; c) com inobservância de prescrição legal. Nota-se alguma intersecção entre as figuras típicas do artigo 359-A e do inciso XVII do Decreto-lei 201/1967, v.g., quando o prefeito autorizar a abertura de crédito com inobservância dos limites estabelecidos pelo Senado, caso em que se aplica a lex specialis (inciso XVII), por tratar-se de crime de mão própria, além de crime funcional próprio, envolvendo exclusivamente a figura do alcaide. O Senado Federal tem atribuição constitucional para estabelecer limites das operações de crédito, entre elas a abertura de crédito (CF, art. 52, VII), o que faz mediante a expedição de Resoluções. Além de se observar os limites fixados pelo Senado Federal, a abertura de crédito deve ter fundamento na lei orçamentária ou na de créditos adicionais. A lei orçamentária, cuja necessidade é preceito constitucional (CF, art. 165) compreenderá todas as despesas e receitas próprias da Administração Pública, que constarão pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções (Lei 4.320/1964, arts. 4.º e 6.º). Além disso, como dispõe o artigo 5.º, § 1.º, da Lei Complementar 101/2000 “todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as atenderão, constarão da lei orçamentária anual”. Já créditos adicionais são as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento e se classificam em: I – suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária; II – especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica; III – extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública (Lei 4.320/1964, art. 41). Os créditos suplementares e especiais devem ser autorizados por lei e abertos por Decreto executivo (Lei 4.320/1964, art. 42), excetuando se desse dispositivo os créditos extraordinários, por sua natureza caracterizada pela urgência e imprevisão. Por fim, o delito se configura alternativamente se a abertura de crédito for ordenada ou autorizada com inobservância de prescrição legal, cuidando-se aqui de norma penal em branco que encerra cláusula genérica, após a formulação casuística do dispositivo (interpretação analógica).  

4. Tipo subjetivo

O dolo. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a expedição da ordem ou da autorização para a abertura de crédito (delito de mera atividade). Não se admite a tentativa. 

7. Classificação

Delito especial próprio e de mão própria, doloso, comissivo e de mera atividade.

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Tratando-se de crime funcional próprio e de mão própria, o servidor municipal que executar a ordem ou cumprir a autorização, com postura meramente burocrática, pratica fato atípico, salvo se houver participação consciente (induzimento, instigação ou auxílio), caso em que incidirá o artigo 29 do Código Penal. 

• O prefeito municipal que ordena ou autoriza a abertura de crédito quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei pratica o delito do artigo 359-A, parágrafo único, do Código Penal. 

Omissão na promoção ou ordenação de cancelamento, amortização ou constituição de reserva para anular efeitos de operação de crédito ilegal

XVIII – deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;

1. Bem jurídico

As finanças públicas, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

A figura típica em questão consiste na omissão do dever de promover ou de ordenar medidas que anulem operação de crédito realizada ilegalmente. Enquanto o inciso XVII do Decreto-lei 201/1967 criminaliza a conduta de ordenar ou de autorizar a abertura de crédito em desacordo com legislação, o inciso XVIII contempla conduta do prefeito municipal posterior à realização de operação de crédito indevida. Outrossim, o inciso XVIII mantém estreita conexão com o delito do inciso XX (ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação). Consubstancia-se o delito descrito no inciso XVIII quando, após ter ordenado ou autorizado operação de crédito ilegal, ou tendo se deparado com operação desse tipo feita por seu antecessor, o prefeito se omite no dever de proceder ao cancelamento, à amortização ou à constituição de reserva para anular os efeitos da operação irregular. Promover consiste em “dar impulso a”, “gerar”, “provocar”, “impelir para diante”. Ordenar quer dizer “emitir”, “dar ordem”, “mandar”, “determinar”, “impor”. As locuções deixar de ordenar e deixar de promover expressam a abstenção, a omissão de cumprir dever legal do administrador (delito omissivo próprio). A operação de crédito será considerada ilegal sempre que não obedecer os limites, condições e montantes estabelecidos na legislação (leis orçamentárias, lei de responsabilidade fiscal, resoluções etc.). Aliás, a expressão “estabelecido em lei”, relativamente a limite, condição e montante, indica tratar-se de norma penal em branco. O mesmo se diz quanto a expressão “na forma da lei”, que diz respeito ao procedimento para anulação da operação de crédito. Sobre operação de crédito, vide as anotações ao inciso XVII. A operação realizada com infração do disposto na Lei Complementar 101/2000 será considerada nula, procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal, vedados o pagamento de juros e demais encargos financeiros (art. 33, § 1.º). O cancelamento, portanto, implica no desfazimento integral da operação de crédito e de todos os seus efeitos, proibindo-se inclusive o pagamento de juros e de quaisquer encargos. Na dicção legal, “enquanto não realizado o cancelamento, a amortização, ou constituída a reserva” (art. 33, § 3.º), o ente não poderá receber transferências voluntárias; obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal (§ 3.º do art. 23). Portanto, além do cancelamento, pode-se proceder à amortização (resgate parcelar do débito) ou à constituição de reserva (criação de fundo para resgate futuro). Quanto a esta, aliás, a Lei Complementar 101/2000 prevê que “se a devolução não for efetuada no exercício de ingresso dos recursos, será consignada reserva específica na lei orçamentária para o exercício seguinte” (art. 33, § 2.º). A opção deve ser a mais ajustada ao interesse público, em homenagem ao princípio da eficiência (CF, art. 37, caput). 

4. Tipo subjetivo

O dolo. Não se exige elemento subjetivo do injusto.

5. Concurso de pessoas

Na forma comissiva, é admissível na modalidade de participação. Já na modalidade omissiva, não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a omissão do prefeito em cumprir o dever de ordenar ou promover o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito ilegal (delito omissivo próprio). Não é necessária a ocorrência de efetivo prejuízo ao Município. Não se admite a tentativa. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, omissivo próprio e de mera conduta. Cuida-se, ainda, de crime de mão própria, haja vista que o prefeito, pessoalmente, é quem deverá cumprir a obrigação legal mencionada. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Pratica o delito descrito no inciso XVIII do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967 o prefeito municipal que deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito ilegal, tenha ou não sido o responsável por sua realização, uma vez que a norma penal não especifica qualquer distinção.

• O prefeito municipal que dolosamente ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal, e posteriormente deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, dolosamente, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos dessa operação, praticará respectivamente os delitos descritos nos incisos XVII e XVIII do Decreto-lei 201/1967, em concurso material. 

• O prefeito municipal que dolosamente ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, e posteriormente deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, dolosamente, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos dessa operação, praticará respectivamente os delitos descritos nos incisos XX e XVIII do Decreto-lei 201/1967, em concurso material.

Omissão na promoção ou ordenação de liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária

XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a regularidade administrativa, no sentido de se garantir o equilíbrio das contas públicas.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

Incrimina-se a omissão de promover ou ordenar, cujo significado é abordado nas anotações ao inciso XVIII, idêntico neste ponto, para o qual remetemos o leitor. A diferença é que a omissão tipificada no inciso XIX diz respeito à liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária. Em determinadas situações, geralmente em face da baixa arrecadação em certos períodos, a Administração Pública necessita lançar mão de operações de crédito para cumprir suas obrigações, o que faz vinculando-as às receitas futuras. Na redação da Lei Complementar 101/2000, “a operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro” (art. 38, caput). Segundo o mesmo diploma, deverá obedecer a uma série de requisitos, os dispostos nos incisos I a IV do artigo 38 e mais os do artigo 32, em prol da regularidade administrativa e do equilíbrio das contas públicas. Entre os requisitos, figura o de que a antecipação de receita orçamentária “deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano” (art. 38, II). A elementar de natureza temporal do inciso XIX (“até o encerramento do exercício financeiro”) deve prevalecer, de forma que o delito se aperfeiçoará somente se, vencido o prazo fatal (31 de dezembro), não houver sido liquidada a antecipação de receita orçamentária. Além disso, a liquidação deve ser integral (total, completa), abrangendo juros e outros encargos incidentes. 

4. Tipo subjetivo

O dolo. Não se exige elemento subjetivo do injusto.

5. Concurso de pessoas

Não se admite o concurso de pessoas. Os delitos omissivos, como delitos de dever, não dão lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria nem participação). Somente pode ser sujeito ativo dos crimes omissivos aquele que, em primeiro lugar, tiver capacidade de agir e se encontrar em uma situação típica; ou aquele que estiver vinculado a um dever de agir (posição de garantidor) e possa agir para evitar a produção do resultado (Cf. Prado, 2008a, p. 449).

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a omissão do prefeito em cumprir o dever de ordenar ou promover a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, até o marco temporal do encerramento do exercício financeiro. Vencido o prazo sem o cumprimento do dever o crime estará consumado (delito omissivo próprio). Não é necessária a ocorrência de efetivo prejuízo ao Município. Não se admite a tentativa.

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, omissivo próprio e de mera conduta. Cuida-se, ainda, de crime de mão própria, haja vista que o prefeito, pessoalmente, é quem deverá cumprir a obrigação legal mencionada. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• A tipicidade se perfaz com a simples omissão de promover ou ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro. Não obstante, não se afasta a possibilidade de haver estado de necessidade ou causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, caso presentes os respectivos pressupostos. 

Promover ou ordenar ilegalmente operação de crédito com qualquer dos entes da Federação

XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades de administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; 

1. Bem jurídico

As finanças públicas, a regularidade administrativa e a probidade administrativa.

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal. Sujeito passivo é o município. 

3. Tipo objetivo

Os verbos nucleares consistem em ordenar (emitir ordem, mandar, determinar, impor) e autorizar (avalizar, permitir, dar autorização). Em suma, pratica o crime quem ordena ou autoriza a operação de crédito em desacordo com a legislação, conduta essa similar à descrita no inciso XVII do Decreto-lei 201/1967, bem assim à definida no artigo 359-A do Código Penal. O inciso XX, entretanto, cuida especificamente das operações de crédito entre o Município e os demais entes da Federação, seja da administração direta (União e Estados), seja da indireta (autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista). Segundo determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, “é vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente” (art. 35). Excetuam-se da vedação a que se refere o caput do artigo 35 “as operações entre instituição financeira estatal e outro ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se destinem a: I – financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes; II – refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente” (LC 101/2000, art. 35, § 1.º). A norma penal do inciso XX do Decreto-lei 201/1967 tem por escopo garantir o cumprimento desses mandamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal, pelos quais o Município está proibido de realizar operações de crédito com outros entes públicos, salvo as exceções mencionadas. O dispositivo ainda deixa expresso, exemplificando, que nem mesmo nas modalidades de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída posteriormente poderá ser ordenada ou autorizada a realização de operação de crédito entre o Município e outra entidade da administração pública, seja direta ou indireta. A novação se dá: “I – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior; II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor; III – quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este” (CC, art. 360). Refinanciamento significa celebrar novo financiamento, renovando o anterior, comumente com novos parâmetros de pagamento, prazos, juros e correção monetária, por conta de inadimplemento de contrato nos termos fixados anteriormente. Postergação da dívida é espécie do gênero refinanciamento, em que há o alargamento do prazo de solução da dívida, deixando para o futuro o pagamento da dívida anteriormente assumida. Na realidade, desnecessária foi a menção do legislador a essas operações, bastando a simples referência no tipo às operações de crédito entre os entes públicos para que se atingisse a mesma finalidade. No mais, remete-se o leitor às anotações do inciso XVII, pela similaridade com este dispositivo. 

4. Tipo subjetivo

O dolo.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

A consumação se dá com a expedição da ordem ou da autorização para a operação de crédito não permitida pela legislação, independentemente de qualquer resultado (delito de mera atividade). Não se admite a tentativa. 

7. Classificação

Delito especial próprio e de mão própria, doloso, comissivo e de mera atividade.

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• O prefeito municipal que ordena ou autoriza operação de crédito entre o Município e entidade da administração pública direta ou indireta (União, Estados, autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista) incorre no delito previsto no inciso XX do Decreto-lei 201/1967, norma especial em relação ao inciso XVII do mesmo diploma e ao artigo 359-A do Código Penal. 

Captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não ocorreu

XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido;

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a regularidade administrativa. 

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O núcleo do tipo está representado pelo verbo captar, que significa obter, conseguir. Incrimina-se a conduta de captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição, sem que o fato gerador ainda tenha ocorrido. Refere-se a norma “às operações de antecipação de crédito, quando o ente da Federação busca crédito externo junto a outros organismos nacionais ou estrangeiros e dá como garantia a sua própria receita orçamentária futura, destinando sua arrecadação, até o limite da dívida, ao pagamento do montante obtido, constituído do principal e encargos” (Stoco, 2001, p. 2745). As operações de crédito por antecipação de receita (ARO) são destinadas a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro, e sua realização estão subordinadas às exigências previstas no artigo 32 da Lei Complementar 101/2000. Contudo, veda essa mesma lei a “captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no § 7.º do artigo 150 da Constituição” (art. 37, I). Dessa forma, as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária não são proibidas, mas existem condições e critérios que devem ser rigorosamente observados para que o ente federado contraia dívidas e comprometa a receita, como se denota do artigo 38 da Lei Complementar 101/2000. Veda-se a captação de recursos mediante antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, e a não-observância desse preceito configura crime de responsabilidade. Segundo o Código Tributário Nacional, fato gerador de um tributo “é a situação definida em lei como necessária e suficiente” à ocorrência da obrigação principal (art. 114). 

4. Tipo subjetivo

É representado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de promover a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

A consumação se verifica com a efetiva captação de recursos na forma prevista no tipo penal. Assim, não basta a simples determinação de captar recursos, sendo indispensável que haja a sua incorporação ao patrimônio público municipal. Se isso ainda não se deu, e sendo possível o desfazimento da operação, não estará o delito consumado. Considerando que o fracionamento da conduta é perfeitamente possível, admite-se a tentativa. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo, material e plurissubsistente. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Embora somente o prefeito possa determinar a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição, nada impede o concurso de outras pessoas, servidores ou particulares, na condição de partícipes do delito.

Destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou

XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou;

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a regularidade administrativa. 

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

O tipo penal prevê duas modalidades de comportamentos incriminados: ordenar (mandar, determinar, prescrever) e autorizar (consentir, dar permissão). No caso, ordena-se ou autoriza-se a destinação de recursos que são provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa daquela que está prevista na lei que a autorizou. “A emissão de títulos da dívida pública depende sempre de lei que a autorize e será sempre vinculada, isto é, terá destinação específica, ou seja, sua finalidade deverá, necessariamente, constar do texto legal” (Bitencourt, 2002b, p. 118). A vinculação que a lei estabelece deve ser estritamente observada pelo administrador público municipal. Dessa forma, se ele ordena ou autoriza que recursos oriundos da emissão de títulos com finalidade específica, determinada em lei, sejam destinados para outra finalidade, comete crime de responsabilidade. As condutas incriminadas incidem sobre recursos que são provenientes da emissão de títulos, entendidos estes como papéis que representam valores, que devem ser resgatados pelo emitente dentro do prazo neles estabelecido. O desvirtuamento da finalidade desses recursos, estabelecida em lei, “não é a lei complementar referida pelo artigo 163, IV, da Constituição da República, mas a lei ordinária que, obedecendo aos trâmites e atendendo aos requisitos estabelecidos por aquela, autoriza a emissão de títulos” (Ramos, 2002, p. 107).

4. Tipo subjetivo

É representado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou. A face subjetiva é composta unicamente pelo dolo, prescindindo de outro elemento subjetivo. 

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação.

6. Consumação e tentativa

A consumação se verifica com a efetiva destinação dos recursos que são provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou. Enquanto não se concretizar referida destinação, não haverá a consumação do delito, de forma que se isso não ocorrer por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo, será possível cogitar-se de tentativa. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo, material e plurissubsistente. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• A caracterização do crime de responsabilidade previsto no artigo 1.º, XXII, do Decreto-lei 201/1967 independe de qualquer questionamento a respeito da destinação dos recursos públicos, isto é, ainda que a mudança tenha ocorrido para o atendimento de algum interesse da Administração, estará aperfeiçoado o delito, uma vez que é suficiente o simples desvio da finalidade determinada na lei. 

Realização ou recebimento de transferência voluntária em desconformidade com o limite ou condição estabelecida em lei

XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com o limite ou condição estabelecida em lei.

1. Bem jurídico

As finanças públicas e a regularidade administrativa. 

2. Sujeitos

Sujeito ativo é o prefeito municipal (delito especial próprio). Sujeito passivo é o município.

3. Tipo objetivo

Incrimina-se as condutas de realizar (tornar real, efetivar, executar) ou receber (aceitar, tomar) transferência voluntária em desconformidade com o limite ou condição estabelecida em lei. A transferência voluntária é tratada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), consistindo na entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde (art. 25, caput). As exigências para a realização de transferência voluntária estão estabelecidas no § 1.º do artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal e também na Lei de Diretrizes Orçamentárias, sendo que no § 2.º do citado dispositivo há expressa vedação de utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada. Apesar da descrição típica não ser um primor técnico, inclinando-se parte da doutrina pela sua inconstitucionalidade (Cf. Bitencourt, 2002b, p. 120), não chega a afrontar o princípio da determinação taxativa. A lei penal proíbe que o prefeito realize transferência voluntária em desconformidade com a lei, muito embora a possibilidade de o ente municipal efetivar transferência dessa natureza seja improvável; proíbe também que o prefeito receba transferência voluntária quando aquele que transfere para o município o faz em desacordo com o limite ou condição estabelecida em lei. Neste caso, deve o prefeito atentar para a legalidade da transferência que está sendo efetivada em benefício do município, uma vez que se ilícita a entrega de recursos ou capital por parte do outro ente da Federação, incorrerá também num ilícito o prefeito que autorizar o recebimento. 

4. Tipo subjetivo

É representado pelo dolo, consistente na vontade livre e consciente de realizar ou receber transferência voluntária em desconformidade com o limite ou condição estabelecida em lei. A face subjetiva é composta unicamente do dolo, prescindindo de outro elemento subjetivo.

5. Concurso de pessoas

É admissível na modalidade de participação. 

6. Consumação e tentativa

A consumação se verifica com a efetiva realização ou recebimento de recursos ou capital em desconformidade com a lei. Admite-se a tentativa porque perfeitamente possível o fracionamento das condutas tipificadas. 

7. Classificação

Delito especial próprio, doloso, comissivo e plurissubsistente. 

8. Pena

Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 

9. Ação penal

Pública incondicionada.

Note Bem

• Prazo prescricional da pretensão punitiva: 8 (oito) anos – artigo 109, IV, do Código Penal.

• Incorre em erro de tipo essencial, com a conseqüente exclusão do dolo, o prefeito que realiza ou recebe transferência voluntária acreditando que a operação está em conformidade com o limite ou condição estabelecida em lei.

Conseqüências jurídico-penais

§ 1.º – Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

§ 2.º – A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular. 

O § 1.º do artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967 define que os delitos definidos neste artigo são de ação penal pública, e comina as respectivas penas, em redação que foi mantida pela Lei 10.028/2000, inclusive para os novos crimes por ela introduzidos. Sendo crime de ação penal pública, qualquer do povo pode levar a notitia criminis ao conhecimento das autoridades (delegado de polícia, juiz e promotor de justiça). Para os crimes definidos nos incisos I e II, comina-se pena superior (reclusão, de dois a doze anos) à dos demais, em virtude do maior desvalor da ação. No inciso I verifica-se a apropriação de bens ou rendas públicas, ou o desvio em proveito próprio ou alheio. No inciso II, a utilização indevida, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos. Em ambos os casos têm-se que o prefeito age em proveito próprio ou alheio, em detrimento do patrimônio público municipal, visivelmente lesado em prol de interesses particulares, o que justificaria a aplicação de pena maior do que em relação aos outros tipos, pelo maior desvalor da ação. 

O § 2.º estabelece efeitos secundários extrapenais específicos da sentença penal condenatória pelos crimes de responsabilidade. Segundo a doutrina, os efeitos da condenação são todos aqueles que, de modo direto ou indireto, atingem a vida do condenado por sentença penal irrecorrível, não se cingindo à esfera penal, mas incidindo também, conforme o caso, no âmbito extrapenal (cível, administrativo, político, trabalhista) (Prado, 2008a, p. 610). “A imposição de sanção penal (pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e/ou multa) ou de medida de segurança é, sem dúvida, o principal efeito da condenação. Entretanto, o fato de estar o réu compelido à execução da pena aplicada pela sentença condenatória não afasta a existência de efeitos outros, secundários, reflexos ou acessórios, de natureza penal e extrapenal, que em alguns casos necessariamente a acompanham” (Prado, 2008a, p. 610 ). A condenação definitiva (da qual não cabe mais recurso) produz os efeitos secundários extrapenais específicos consistentes na perda de cargo e inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação. Não se trata de penas acessórias, devendo incidir a sistemática geral do Código Penal implantada após a reforma penal de 1984 (CP, art. 92, parágrafo único). Tais conseqüências não são automáticas, cabendo ao juiz do caso concreto, expressa e motivadamente, decretá-las na sentença condenatória, na medida da culpabilidade do prefeito e à luz dos princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade, sob pena de se chegar a soluções draconianas, inadmissíveis num Estado democrático de Direito. A perda do cargo corresponde à perda do mandato corrente, não podendo o prefeito voltar a exercê-lo mesmo depois de cumprida integralmente a pena. Permite-se, todavia, nova investidura como prefeito após a reabilitação (CP, arts. 93 a 95), se atendidos os pressupostos da legislação eleitoral. A inabilitação, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação se dará pelo prazo de cinco anos. Nesse período o prefeito não poderá exercer qualquer cargo na administração pública, seja eletivo seja por nomeação, em razão do desvalor da ação revelado pela conduta criminosa e a incompatibilidade disso resultante com a vida pública.  

Note Bem

• Os crimes definidos no artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967 são de ação penal pública incondicionada e o processo criminal é o comum estabelecido no Código de Processo Penal, com as modificações do artigo 2.º do Decreto-lei 201/1967.

• A Constituição de 1988 estabelece o foro privilegiado por prerrogativa de função aos prefeitos municipais, cabendo ao Tribunal de Justiça seu julgamento, ressalvada a competência da Justiça Federal, da Justiça Militar da União e da Justiça Eleitoral (CF, art. 29, X). Este dispositivo constitucional, reafirmado pelo artigo 84, caput, do Código de Processo Penal, confere a prerrogativa de foro ao prefeito, enquanto permanecer no exercício do mandato eletivo, tanto em face de crimes funcionais, como de comuns. Com a declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos 1.º e 2.º do artigo 84 do Código de Processo Penal (ADI 2.797/DF), uma vez terminado o mandato o prefeito perde a prerrogativa de foro especial, devendo a ação penal tramitar no juízo de 1.º grau. 

• O ex-prefeito não pode ser sujeito passivo dos crimes de responsabilidade, a menos que pratique o fato durante o mandato. Ou seja, mesmo após a extinção do mandato, o prefeito municipal continua sujeito a processo por crime previsto no artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967 (STJ, Súmula 164). Neste caso, ao terminar o mandato, perde o prefeito a prerrogativa de foro, cessando a competência originária dos Tribunais de Justiça (cessada a função, cessa a prerrogativa). Deve-se, então, promover a denúncia no juízo criminal singular, ou deslocar-se o processo já instaurado para a primeira instância.

• A competência para o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade definidos no artigo 1.º do Decreto-lei 201/1967 é a da Justiça Estadual, salvo se a infração penal for praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (CF, art. 109, IV). “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal” (STJ, Súmula 209)”. No caso de transferência de verba da União ao Município, importa saber se a verba oriunda do orçamento federal é ou não repassada a título de subvenção para obras federais ou serviços de competência federal ou comum. Cuidando-se de repasse de recursos para aplicação em obras municipais ou serviços de competência exclusiva local, a verba se incorpora ao patrimônio público municipal. Quer dizer, o interesse federal com força para a determinação da competência federal não se afere simplesmente pela origem do dinheiro (se do orçamento da União ou não), nem pela natureza do órgão responsável pela fiscalização (TCU ou TCE), mas pela destinação da aplicação da verba. Se esta é destinada a obras ou serviços municipais, nos quais não há interesse direto da União, não se firma a competência federal. Neste caso, considera-se que o prejuízo é sofrido diretamente pelo próprio município destinatário da verba federal, fixando-se a competência da Justiça Estadual, ainda que a aplicação dos recursos se sujeite à prestação de contas junto ao Tribunal de Contas da União. 

• Segundo dispõe a Súmula 208 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”.

  1. * Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá. Professor de Direito Penal na Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente). Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. 
  2.  Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá. Professor de Direito Penal na Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente). Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo Procurador da República.

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