Nelson R. Bugalho
Advogado Ambiental
Promotor de Justiça do Meio Ambiente/SP (1987-2023)
Professor de Direito Penal e Direito Ambiental
Mestre em Direito Penal (Universidade Estadual de Maringá)
Especialista em Direito Penal
Vice-Presidente da CETESB (2011-2016)
(Artigo publicado no jornal O Imparcial)
A cidade exerce um fascínio e um domínio que fica difícil manter-se longe dela, bem por isso a população urbana é muito maior que a rural. Em 1950, a população urbana era de 36% e a rural 64%, e apenas 50 anos depois, em 2000, a rural decresceu para 18,8% e a urbana atingiu 81,2%. No Censo IBGE de 2010, a população urbana deu mais um salto, foi para 84,4%, e continua aumentando, sobretudo na região Sudeste.
Nas cidades estão as oportunidades, e nelas também a sociabilidade, e essa sensação remonta muito tempo. É na Antiguidade, em Roma sobretudo, que se criou, do ponto de vista cultural e dos costumes, uma oposição marcante entre a cidade e o campo. E na Idade Média um vocabulário foi sendo moldado para designar esse antagonismo. Os termos relacionados à cidade denotam a educação, a cultura, os bons costumes, a elegância: urbanidade vem do latim urbs; polidez, da polis grega. O campo, menosprezado, é lugar do rude. Há ainda o aspecto que a pobreza rural é mais terrível que a urbana.
Agora os tempos são outros, mas a cidade continua exercendo um fascínio incontrolável, apesar do emaranhado de problemas que seus moradores enfrentam todos os dias: trânsito complicado, transporte coletivo ineficiente e caro (ou inexistente), passeios públicos mal conservados e que comprometem a mobilidade das pessoas, poluição visual, paisagem urbana comprometida pela ausência de planejamento, poucas áreas verdes e praças, arborização urbana inadequada, ausência de saneamento básico, violência, acesso à saúde e à educação nem sempre disponíveis de forma ideal, e por aí vai.
O desafio que se descortina é como converter nossas cidades num lugar realmente bom para se viver. Como elas já existem e foram tomando forma de acordo com os interesses imobiliários dos mais poderosos, devemos reinventá-las. Instrumento legal para isso já existe há mais de 10 anos: o Estatuto da Cidade.
Uma das diretrizes previstas no Estatuto da Cidade reside justamente no imperativo que a política de desenvolvimento urbano deve garantir o “direito a cidades sustentáveis”, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
O termo “sustentável” provém do latim sustentare, que significa favorecer, conservar, cuidar. Significa algo passível de sustentação, evidentemente que pelo menos por um determinado prazo, até porque não se imagina que nos domínios do universo físico algo possa apresentar uma sustentação perpétua. Bem por isso podemos pensar sempre em ciclos de sustentabilidade, seja o conceito aplicado às questões ambientais ou econômicas, ou outra qualquer.
Tornar uma cidade sustentável implica na tomada de decisões muitas vezes impopulares, porque o primeiro impacto pode comprometer os interesses de algumas pessoas. A utilização imprópria dos imóveis urbanos, o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou inadequado em relação à infraestrutura urbana, a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, a poluição, a deterioração das áreas urbanizadas são um pequeno exemplo do que deve ser evitado para uma cidade ser havida como sustentável.
O desenvolvimento da cidade deve ser planejado de tal forma que a distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município corrija as distorções do crescimento urbano e facilitem a mobilidade das pessoas. Toda população deve ter acesso a equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços púbicos adequados aos seus interesses e necessidades.
Um exemplo de cidade sustentável é Portland, nos Estados Unidos, que tem inspirado outros centros americanos a incluir espaços verdes em seu planejamento urbano. E para conservar áreas vegetadas em sua volta, foi estabelecido um limite para o avanço da urbanização da cidade, que conta com milhares de hectares de áreas verdes e mais de 300 quilometros de ciclovias. Cerca de 40% de sua população utiliza ou a bicicleta ou o transporte coletivo para ir ao trabalho, e metade da energia utilizada pela cidade é obtida a partir de fontes limpas, como a energia solar e o aproveitamento de resíduos para a produção de biocombustível.
No Brasil, o exemplo de cidade sustentável é Curitiba, onde 70% da população faz uso de seu eficiente sistema de transporte público, perdendo apenas para Copenhague e Vancouver no índice de menor emissão de dióxido de carbono (CO2) per capita.
Transformar nossas cidades em sustentáveis não é tarefa fácil, mas temos razões de sobra para tornar isso possível. Não se trata de imaginar um lugar inexistente e impossível, onde tudo seja perfeito, mas sim procurar fazer o máximo e o melhor em cada lugar, especialmente na cidade em que vivemos.