No final da década de 70, o Governo do Estado de São Paulo, por meio de sua estatal energética, CESP – Companhia Energética de São Paulo, decidiu construir, no leito do rio Paraná, na divisa dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, a Usina Hidroelétrica de Porto Primavera, com um reservatório de 2.250 quilômetros quadrados quando atingisse a cota 259.
A implantação do empreendimento foi concebida com a atenção periférica que a questão ambiental suscitava naquela época, tanto que a operação da UHE importaria na inundação de imensas áreas florestadas, com riquíssima diversidade biológica, além de comprometer a atividade econômica de milhares de pessoas. Apesar do comprometimento ambiental sem precedentes na história recente do país, o empreendimento teve sua execução iniciada no ano de 1980, com término previsto para julho de 1988. Contudo, por conta das diversas paralisações no decorrer de todos esses anos, sobretudo por questões financeiras, a comunidade que seria diretamente impactada pelo empreendimento foi percebendo o desastre ecológico que se anunciava e os prejuízos socioeconômicos que seriam acarretados com a operação da UHE.
Os reclamos da comunidade ecoaram no Ministério Público, ainda se consolidando como Instituição de defesa de interesses macrossociais, a exemplo do meio ambiente. Houve, então, a mobilização do Ministério Público do Estado de São Paulo e do Ministério Público Federal, por meio da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Presidente Prudente e da Procuradoria da República em Presidente Prudente, instaurando-se procedimentos civis em cada uma das instituições com o objetivo de apurar a dimensão dos impactos resultantes da construção e operação da hidroelétrica. O cenário era assustador, posto que o custo do empreendimento ultrapassava a cada da dezena de bilhões de dólares, milhares de hectares de florestas seriam submersas, haveria aumento do nível do lençol freático, erosão, assoreamento, comprometimento da qualidade da água, destruição de ecossistemas terrestres e aquáticos, supressão de reservas florestais, comprometimento de espécies raras, ameaçadas de extinção ou pouco conhecidas, destruição de patrimônio histórico e arqueológico, desestruturação da economia regional, interferência fundiária e nas finanças públicas e outros impactos negativos. Apesar disso, a CESP já tinha as Licenças Prévia e de Instalação. Buscava a Licença de Operação para dar início ao enchimento do gigantesco reservatório, maior que o de Itaipu, embora seu potencial energético represente tão-somente 17% do gerado por esta última.
Alguns meses antes da data prevista para o enchimento do reservatório, o Ministério Público de São Paulo e o Ministério Público Federal procuraram negociar com a CESP garantias de que os programas ambientais previstos no EIA/RIMA do empreendimento (realizado apenas no ano de 1996, embora fosse exigível desde 1981) e outras medidas compensatórias e mitigatórias seriam realizadas. Contudo, certamente contando como certa a obtenção da Licença de Operação (LO) por parte do IBAMA, a CESP não demonstrou interesse em negociar, sobretudo aquelas medidas que não seriam exigidas como condicionantes na LO.
Diante do impasse e da improvável formalização de um acordo (termo de ajustamento de conduta) nos procedimentos civis que tramitavam nos Ministérios Públicos (Estadual e Federal), foi proposta ação civil pública pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e Ministério Público Federal em face da CESP, em junho de 1998, na Justiça Federal de Presidente Prudente. Na ação foi requerida a concessão de medida liminar com o fim de proibir a CESP de fechar as comportas da barragem de Porto Primavera até que houvesse a garantia de que todas as ações previstas nos programas de controle ambiental previstos no EIA/RIMA seriam realmente realizadas, sem prejuízo de outras medidas.
A medida liminar foi concedida, com a imposição de multa diária no valor de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) acaso houvesse o seu descumprimento.
A CESP procurou reverter a situação perante os Tribunais Superiores, mas a desembargadora federal que oficiou no processo negou provimento ao recurso.
Diante da impossibilidade de dar início à operação da UHE, a CESP aceitou discutir eventual acordo com o Ministério Público.
Depois de meses de negociações, no mês de outubro de 1998 finalmente houve a celebração de um termo de ajustamento de conduta nos autos da ação civil pública, no qual obrigou-se a CESP a inúmeras obrigações, tais como, implementar programa de controle de erosão e assoreamento, com a disponibilização de recursos financeiros, materiais e técnicos; realizar programa de monitoramento das encostas marginais, identificando áreas críticas e executando ações de contenção que se fizerem necessárias; recuperação de áreas degradadas; reflorestamento da margem paulista do reservatório, à razão de 200 hectares por ano, acima da cota máxima de operação (259 metros); inventário e resgate de flora (levantamento florístico); projetos de pesquisa e manejo da fauna, inclusive fornecendo meios, materiais e equipamentos à Polícia Ambiental para a fiscalização repressiva e preventiva a ser desenvolvida na área de influência do empreendimento (doação de veículos, lanchas e outros equipamentos); construção de escada e elevador de peixes na barragem; remanejamento da população atingida: reassentamento de todas as famílias atingidas pelo empreendimento (MS e SP); reinserção produtiva do setor de areia e cascalho e do setor cerâmico-oleiro (MS e SP); apoio à mão de obra atingida (MS e SP); readequação da atividade pesqueira os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul; programa de mitigação do desemprego, com a execução de cursos de formação, recapacitação e requalificação de mão-de-obra, e resgate arqueológico.
Esses compromissos foram assumidos pela CESP de modo relativamente fácil, sem muita resistência. O problema residia no fato de o Ministério Público exigir a criação de Unidades de Conservação na margem paulista do reservatório, uma vez que a previsão era apenas a criação de uma Unidade de Conservação no Estado do Mato Grosso do Sul. Esse entrave por pouco não inviabilizou a realização do acordo, e a aceitação por parte da CESP somente ocorreu quando claramente o Ministério Público impôs como conditio sine qua non à realização do acordo que permitiria o início de operação da UHE Porto Primavera, posteriormente batizada como UHE Engenheiro Sérgio Motta.
Pretendia o Ministério Público, com apoio da comunidade regional, em especial da organização não-governamental Apoena, a criação de duas Unidades de Conservação de Proteção Integral, com área mínima de 16.438,74 hectares, quantidade esta correspondente às áreas florestadas que foram inundadas no Estado de São Paulo, em sua maior parte concentrada da Reserva Lagoa São Paulo, situada no município de Presidente Epitácio.
Foi então pactuado a criação do Parque Estadual do Rio Aguapeí, com área de 9.900 hectares, e do Parque Estadual do Rio do Peixe, com área de 7.700 hectares, comprometendo-se a CESP ainda a providenciar a construção de toda infra-estrutura necessária ao funcionamento desses parques, bem como disponibilizar anualmente quantia em dinheiro suficiente para a manutenção dos mesmos, enquanto durar a operação da UHE de Porto Primavera.
Apesar das profundas alterações ocorridas nos ecossistemas regionais (terrestres e aquáticos), referidas Unidades de Conservação são uma realidade. O Parque Estadual do Rio Aguapeí foi implantado e já está integramente sob a responsabilidade do Instituto Florestal, ao passo que o Parque Estadual do Rio do Peixe, embora criado, ainda está em fase de implantação, com a finalização das desapropriações necessárias. O mundo natural já foi bastante perturbado no oeste paulista, encontrando-se humanizado por todo lugar, perdendo sua identidade original, mas felizmente na região sudoeste de São Paulo, sobretudo no Pontal do Paranapanema, ainda restam fragmentos florestais de significativa importância, e o Parque Estadual Morro do Diabo, a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto e, agora, o Parque Estadual do Rio Aguapeí e o Parque Estadual do Rio do Peixe serão o reduto eterno da rica biodiversidade do sertão paulista, de tal forma que as gerações futuras terão ainda a oportunidade de aprender que a Natureza não é só uma entidade objetiva, mas que ela também é vital para o nosso bem-estar físico e espiritual.