19/09/2025 101 min de leitura

SOCIEDADE DE RISCO E INTERVENÇÃO DO DIREITO PENAL NA PROTEÇÃO DO AMBIENTE 

Nelson R. Bugalho
Advogado Ambiental
Promotor de Justiça do Meio Ambiente (1987-2023)
Vice-Presidente da CETESB (2011-2016)
Prefeito de Presidente Prudente (2017-2020)
Mestre em Direito Penal

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Sociedade de risco e papel do Direito Penal – 3. Comando constitucional de criminalização dos atentados contra o ambiente – 4. Aspectos gerais da tutela penal do ambiente: 4.1. Delimitação do bem jurídico a proteger; 4.2. Problemas na construção dos injustos penais ecológicos: 4.2.1. Considerações gerais; 4.2.2. O recurso da norma penal em branco nos delitos ecológicos; 4.2.3. Aspectos da estrutura do tipo de injusto penal ecológico – 5. Considerações finais.

1. Introdução

Alçar o ambiente à condição de bem jurídico constitucional e consagrá-lo como direito fundamental do homem, inclusive expressamente autorizando a Carta da República a intervenção do Direito Penal na sua proteção, não tem sido suficiente para evitar, e até mesmo reprimir, os violentos ataques praticados contra o patrimônio ambiental, sobretudo por conta de algumas imperfeições verificadas na construção dos tipos de injustos penais ecológicos, que acabam muitas vezes comprometendo sua eficácia. 

É oportuna a observação de Norberto Bobbio a respeito do presente e do futuro dos direitos do homem quando prenuncia que o problema não é filosófico nem jurídico, mas num sentido mais amplo, político. E que “não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.

O emprego do Direito Penal para concretizar uma efetiva proteção do ambiente, com observância dos princípios constitucionais penais de garantia, está na dependência de um perfeito delineamento conceitual do objeto de proteção do Direito Penal Ecológico, uma vez que múltiplas concepções do ambiente poderão ter relevância jurídica, sobretudo na formulação dos injustos penais ecológicos e num momento histórico em que há considerável necessidade de proteção de bens jurídicos macrossociais, a exemplo do ambiente.

2. Sociedade de risco e papel do Direito Penal

A exploração desmesurada dos recursos naturais constitui-se certamente num dos mais graves problemas do mundo contemporâneo, posto que provoca profundas transformações nos ecossistemas, e às vezes sua inteira destruição. O homem sempre exerceu uma influência devastadora sobre as comunidades naturais, submetendo-as à sua autoridade, de forma a atender suas necessidades e também seus caprichos. Essa relação de subordinação da natureza aos interesses humanos acabou por gerar a sensação de que o progresso humano está associado à destruição da cobertura vegetal com que a maior parte da Terra um dia esteve coberta. Esse processo de redução das áreas vegetadas para dar lugar às cidades e para as atividades que exploram recursos naturais sempre simbolizou o triunfo da civilização, o domínio humano neste planeta.

Nesse cenário, em que o imperativo do crescimento econômico não vem se revelando capaz de evitar o aumento da pobreza e dos elevados índices de violência, apesar de a ciência evoluir de forma surpreendente, anunciando a cada dia uma descoberta que pode se converter na solução de problemas crônicos da humanidade, a exemplo da fome, a impotência e a omissão estatal em matéria de proteção dos recursos naturais é uma realidade. A acelerada diminuição da cobertura florestal em todo o mundo, sobretudo na região Norte do Brasil, seja para o aproveitamento econômico da madeira ou para a instalação de atividades como a agricultura ou pecuária, descortinam o agravamento da crise ambiental.

As maneiras como se vê o futuro da humanidade determinam as ações no presente. Sob uma perspectiva mais cautelosa, sem abdicar do desenvolvimento econômico e tecnológico, recomenda-se uma completa reorganização dos sistemas de produção para explorar um mundo com recursos naturais limitados, e isso pode ser feito por meio da adoção de mecanismos políticos, sociais e econômicos que estabeleçam um novo paradigma na relação da humanidade e o mundo natural. Essa preocupação já não é seriamente considerada quando se tem uma completa confiança em novas tecnologias, supostamente capazes de resolver os mais variados problemas criados pelo homem, muitos deles relacionados com a excessiva exploração dos recursos naturais. 

Ao avaliar as perspectivas de uma humanidade em crise, Odum enfatiza que:

Predizer o futuro é um jogo fascinante, popular, especialmente em tempo de crise. De fato, ninguém pode predizer realmente o que acontecerá no ano que vem, e muito menos daqui a 25 anos ou mais. Existem simplesmente demasiadas incógnitas, demasiados novos eventos, inovações tecnológicas e outros fatores que não podem ser previstos. No entanto, é instrutivo considerar-se uma variedade de cenários alternativos que poderiam acontecer. Poderemos, então, estimar a sua probabilidade, dadas as condições, a compreensão e o conhecimento atuais. Mais importante, talvez possamos fazer alguma coisa agora para reduzir a probabilidade de um futuro indesejável.

Independentemente do olhar que se projeta para o futuro, as ações realizadas mais rapidamente terão maior eficácia e menores custos do que as mesmas ações realizadas no futuro. Os riscos a que a sociedade está sujeita num mundo cada vez mais moderno e competitivo fazem parte de uma realidade que não pode ser ignorada, mas existem riscos a que a humanidade não deve se submeter, ao menos até ser possível dimensioná-los com uma maior precisão.

Ulrich Beck alerta que na modernidade avançada, a produção social de riqueza vem sempre acompanhada, de forma sistemática, pela produção social de riscos, e que os riscos da modernização são um big business. Avalia ainda que os riscos da civilização são um barril de necesidades sin fondo, inacabáveis, infinitas. Certamente o incremento dos riscos do desenvolvimento industrial e tecnológico, associado a fatores como o aumento populacional e a massificação do consumo, cria “situações sociais de perigo”, expondo a perigo bens jurídicos relevantes, quando não os lesionando de forma irreparável, sobretudo em se tratando de bens jurídicos como o ambiente e a saúde pública. 

Em razão da proporção que os riscos assumem num período de ênfase ao imperativo do desenvolvimento e à globalização da economia, a transnacionalização desses mesmos riscos ficará cada vez mais evidenciada, desencadeando repercussões diretas na qualidade ambiental. Assim, a degradação da qualidade ambiental, compreendida como “a alteração adversa das características do meio ambiente” (Lei n. 6.938/81, art. 3º, II), passa a ser um problema transnacional, e poderá se transformar num conflito global entre o Norte e o Sul, como avalia o sociológico português Boaventura de Souza Santos:

Por um lado, o Norte não parece disposto a abandonar os seus hábitos poluidores e muito menos a contribuir, na medida dos seus recursos e responsabilidade, para uma mudança dos hábitos poluidores do Sul, que são mais uma questão de necessidade que uma questão de opção. Por outro lado, os países do Sul tendem a não exercer a favor do equilíbrio ecológico o pouco espaço de manobra que neste domínio lhes resta. Para além de muitas outras razões, e por absurdo que pareça, depois do colapso do comunismo, a capacidade de poluição é talvez a única ameaça credível com que os países do Sul podem confrontar os países do Norte e extrair deles algumas concessões.

É certo que os riscos a que a humanidade está submetida afetam todos, inclusive aqueles que num primeiro momento deles se beneficiam. Nem mesmo os ricos e poderosos estão seguros diante desses riscos, sendo que seus efeitos golpeiam até os centros de sua produção. Os próprios atores da modernização caem dentro de um “redemoinho” de perigos que desencadeiam e deles se beneficiam. É o chamado efeito bumerang. Tais considerações são pertinentes numa sociedade de riscos na qual os avanços das ciências e a crescente necessidade de converter recursos naturais em utilidades para o ser humano podem conduzir a uma situação em que não se identifica determinado bem previamente valorado na Constituição. Contudo, mesmo diante de um quadro axiológico bastante amplo de bens jurídicos constitucionais, deve se ter em conta ainda as variadas formas com que é possível lesar ou expor a perigo de lesão tais bens. Somente as formas mais graves devem ser selecionadas e criminalizadas.

É dentro desse contexto de situações sociais de perigo que o Direito Penal ainda procura uma “fórmula” capaz de assegurar uma efetiva tutela a bens jurídicos comunitários lesados ou ameaçados de lesão. Contudo, precedentemente ao processo de criação de uma tipologia criminal adequada à tutela de bens jurídicos de relevância social, sobretudo quando se tratar de bens jurídicos supra-individuais, deve ser considerado o que pretendeu a Constituição Federal proteger, uma vez que “nas constituições já estão feitas as valorações criadoras dos bens jurídicos, cabendo ao penalista, em função da relevância social desses bens, tê-los obrigatoriamente presentes, inclusive a eles se limitando, no processo de formação da tipologia criminal”. 

O Direito Penal moderno tem como escopo imediato e primordial a proteção de bens jurídicos relevantes que se encontram dentro do quadro axiológico traçado na Constituição, ou decorrente da concepção de Estado de Direito democrático. Todas as normas jurídico-penais estão baseadas num juízo positivo sobre bens jurídicos vitais que são imprescindíveis para a convivência das pessoas em comunidade e, por isso, devem ser protegidos por meio da coação estatal, mediante o recurso da imposição de penas àqueles que transgridem a ordem jurídica. 

Desempenha o Direito Penal um papel fundamental à medida que assume as feições de um ordenamento pacificador e protetor das relações sociais, nas suas mais variadas dimensões. Como acentuam Jescheck e Weigend, assegura esse ramo do direito público, em última instância, “a inviolabilidade do ordenamento jurídico”, utilizando para isso o instrumento de poder mais rigoroso de que dispõe o Estado: a pena. De qualquer forma, para realizar essa missão, o ponto de partida a considerar consiste em reconhecer que a única restrição previamente dada para o legislador se encontra nos princípios da Constituição, isto é, um conceito de bem jurídico vinculante político-criminalmente somente pode derivar daqueles modelados na Lei Fundamental. Contudo, o fato de se emergir da realidade social bens não valorados na Constituição Federal, porque supervenientes à data de início de vigência das mesmas, e que estão a exigir a proteção do Direito Penal, não há de se constituir num óbice à criminalização das condutas atentatórias a esses mesmos bens jurídicos. A conversão dessas condutas em delitos pode ser feita desde que não afronte os princípios penais consagrados na Constituição. Nessa linha de pensar, pontifica Miguel Reale Júnior que:

O que importa como limite ao poder de punir é o respeito obrigatório do legislador penal aos princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da individualização da pena ou o da proporcionalidade e os valores da justiça e da liberdade, constantes do preâmbulo da Constituição.

Fixado que o Direito Penal é um instrumento provido de aptidão para a proteção de bens jurídicos com destacada importância, e que na sociedade moderna há cada vez mais demanda social por proteção, crê-se que a sua expansão se deva, em parte, justamente ao aparecimento de novos bens jurídicos (novos interesses ou novos juízos valorativos sobre interesses pré-existentes), sequer previstos nas constituições:

As causas da provável existência de novos bens jurídicos-penais são, seguramente, distintas. Por um lado, cabe considerar a conformação ou generalização de novas realidades que antes não existiam – ou não com a mesma incidência -, e em cujo contexto há de viver o indivíduo, que se vê influenciado por uma alteração daquelas, assim, a mero título de exemplo, as instituições econômicas de crédito ou de inversão. Por outro lado, deve aludir-se à deterioração de realidades tradicionalmente abundantes que em nossos dias começam a manifestar-se como “bens escassos”, aos quais se atribui agora um valor que anteriormente não lhes correspondia, ao menos de modo expresso: por exemplo, o meio ambiente. Em terceiro lugar, há que contemplar o incremento essencial de valor que experimentam, como conseqüência da evolução social e cultural, certas realidades que sempre estiveram aí, sem que se reparasse nas mesmas; por exemplo, o patrimônio histórico-artístico. Entre outros fatores.

O aparecimento de novas realidades, ou simplesmente reconhecer a importância de realidades já existentes e até então ignoradas, a exemplo do ambiente, são evidências de uma provável expansão do Direito Penal, ainda que a constitucionalização dessas novas realidades não seja precedente. O que é de fundamental importância é proclamar que somente quando os mecanismos de controles sociais falham na promoção da tutela de um bem jurídico poderá o Estado valer-se do Direito Penal, uma vez que atua na condição de ultima ratio da política social. É o último recurso a ser empregado na defesa de valores constitucionalmente consagrados ou que sejam reconhecidamente importantes para o indivíduo ou para a sociedade. Verificada a possibilidade de uma tutela eficaz por via extrapenal, deve esta prevalecer, evidenciando-se aí o caráter subsidiário do Direito Penal, regido pelo princípio da intervenção mínima. 

A esse respeito:

A opção de se valer o legislador do Direito Penal, por seu aspecto simbólico, não se justifica nem mesmo na proteção de valores de patamar constitucional, não se legitimando muito menos seja o instrumento preferencial para imposição de interesse de menor relevo, como sucede hodiernamente com a denominada “administrativização do Direito Penal”, ou com a expansão exagerada para figuras de perigo abstrato e de formas culposas, às vezes sem resultado material significativo, com o recurso a elementos normativos com referências a outras leis, em avalanche de incriminações, própria de uma ilusão penal.

Nesse contexto, a ingerência do Direito Penal deve ficar adstrita aos bens de maior relevo, relegando sanções de caráter administrativo às infrações de menor teor ofensivo, até mesmo porque a lei penal atua não como limite da liberdade pessoal, mas sim como seu garante. Destaca-se ainda que “o legislador constituinte brasileiro, ao erigir o ambiente – ecologicamente equilibrado – em direito fundamental, sufragou a noção de bem jurídico veiculada e, logo, a imprescindível conformação entre o injusto culpável ambiental e o sentir constitucional”.

Enfim, é justamente a natureza constitucional do bem jurídico que revela a possibilidade ou não de sua tutela, em especial pelo legislador penal. Contudo, isso só não basta, sendo imperioso reconhecer que a necessidade de proteção se assenta em sua suscetibilidade de ataque, como doutrina Luiz Regis Prado ao declarar que “os bens dignos ou merecedores de tutela penal são, em princípio, os de indicação constitucional específica e aqueles que se encontrem em harmonia com a noção de Estado de Direito democrático, ressalvada a liberdade seletiva do legislador quanto à necessidade”.

O ambiente ecologicamente equilibrado é um valor constitucionalmente relevante, deduzido diretamente da Constituição Federal na condição de direito fundamental e inserido no rol dos bens merecedores de tutela penal. A propósito dos bens jurídicos gravados na Constituição e que legitimam a intervenção penal, afirma-se que:

[…] quanto mais se manifesta possível a formulação rigorosa de um catálogo de bens jurídicos constitucionalmente individuados como objetos da tutela penal, tanto mais penetrante será a influência da Constituição no sistema e, antes de tudo, na política criminal do ordenamento.

A Constituição, sobretudo numa sociedade democrática, deve ser “o ponto jurídico-político de referência primeiro em tema de injusto penal – reduzido às margens da estrita necessidade – como afirmação do indispensável liame material entre o bem jurídico e os valores constitucionais, amplamente considerados”. Não pode ter o Direito Penal uma posição de protagonismo na tutela penal do ambiente, porque isso implicaria reconhecer que as infrações às normas ambientais sempre caracterizam uma violação de condições básicas de convivência social e um atentado aos valores fundamentais da comunidade social juridicamente organizada. O fato de não ter o Direito Penal essa posição no ordenamento jurídico não invalida o seu crescente emprego na defesa do patrimônio natural, sobretudo porque há mandato expresso de criminalização gravado na Carta da República. 

3. Comando constitucional de criminalização dos atentados contra o ambiente 

A Constituição é a ordem jurídica fundamental do Estado, posicionando-se no vértice da pirâmide de um sistema normativo que nela encontra seu fundamento. Na condição de lei fundamental, lhe são atribuídas várias funções, destacando-se cinco delas como principais: função de consenso fundamental, função de legitimidade e legitimação da ordem jurídico-constitucional, função de garantia e proteção e função de organização do poder político. 

Duas daquelas funções merecem ser consideradas: função de consenso fundamental (ou função de integração) e função de garantia e proteção. A primeira indica que a Constituição é a revelação normativa do consenso fundamental de uma comunidade política no que diz respeito a princípios, valores e idéias diretrizes que orientam os padrões de conduta política e jurídica dessa mesma comunidade; a segunda – função garantística – revela que a Constituição é a garantia dos direitos e das liberdades nela positivados, inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado. Por esta função, a Constituição assume uma posição de “lei superior”, vinculando, jurídica e politicamente, os detentores do poder.   

Assim, quando a Constituição do Brasil erigiu o ambiente à condição de bem jurídico e ainda estabeleceu as medidas positivas que devem ser tomadas pelo Estado para garantir a integridade desse valor constitucional, evidenciou a função de consenso fundamental e a função de garantia e proteção. No tocante ao patrimônio florístico, a última função referida pode ser claramente identificada no texto constitucional quando é ordenado ao Poder Público “proteger a flora” (artigo 225, § 1o, inciso VII), bem como ao assinalar que os autores das condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente deverão sofrer sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (artigo 225, § 3o).

Como qualquer outra norma, as normas constitucionais contêm um mandamento, uma ordem revestida de força jurídica, de tal forma que a sua inobservância deve deflagrar mecanismos próprios de coação objetivando garantir-lhe a imperatividade. As normas jurídicas existem para ser realizadas, efetivadas. Noutras palavras, a efetividade “[…] designa a atuação da norma, fazendo prevalecer, no mundo dos fatos, os valores por ela tutelados. Ela simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

A Constituição Federal não se limitou a estabelecer o ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Foi além ao determinar a adoção de inúmeras medidas positivas com o objetivo de assegurar aquele direito, sobretudo indicando no artigo 225, § 3o, a possibilidade de criminalizar as condutas lesivas ao patrimônio natural.

Manifestações dessa natureza são chamadas de cláusulas expressas de criminalização. Por estas, prevê-se a obrigação constitucional de converter em delitos condutas que possam comprometer a integridade de bens jurídicos essenciais para o convívio do homem em sociedade. Com freqüência, referidas cláusulas estão previstas nas constituições mais modernas, a exemplo da Constituição espanhola que, a seu turno, contém três cláusulas explícitas: uma relativa à tutela do ambiente natural (artigo 21/6); uma segunda se refere à tutela do patrimônio histórico, cultural e artístico dos povos da Espanha (artigo 46); e, a terceira, é pertinente a abusos, por parte de órgãos públicos, quanto aos poderes de suspensão de determinados direitos fundamentais (artigo 55/2). Também a Lei Fundamental alemã estabelece, em seu artigo 26.1, a obrigação de criminalizar o atentado à convivência pacífica dos povos e a preparação de guerra de agressão, a que Claus Roxin denomina mandato constitucional de punição.

  Cunhar ordens de criminalização é a tendência que orienta as constituições modernas, ainda que ao mesmo tempo limitem a atividade penal do Estado objetivando garantir a inviolabilidade do direito à liberdade e o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. 

Esses preceitos constitucionais se destinam a alargar a incidência do Direito Penal no sentido de convertê-lo num instrumento de proteção de direitos coletivos, cuja tutela é imposta para que haja uma justiça mais autêntica, atendendo as exigências de Justiça material. 

A respeito das obrigações constitucionais de criminalização pontifica Francesco C. Palazzo que:

Enquanto as indicações constitucionais de fundo (que atuam no sentido da descriminalização) são, ainda, expressão de um quadro constitucional característico do Estado liberal de direito, pressupondo, outrossim, uma implícita relação de “tensão” entre política criminal e direito penal, as vertentes orientadas no sentido da criminalização traduzem a expressão de uma visão bem diversa do papel da Constituição no sistema penal: as obrigações de tutela penal no confronto de determinados bens jurídicos, não infreqüentemente característicos do novo quadro de valores constitucionais e, seja como for, sempre de relevância constitucional, contribuem para oferecer a imagem de um Estado empenhado e ativo (inclusive penalmente) na persecução de maior número de metas propiciadoras de transformação social e da tutela de interesses de dimensões ultraindividual e coletivas, exaltando, continuadamente, o papel instrumental do direito penal com respeito à política criminal, ainda quando sob os auspícios – por assim dizer – da Constituição. 

A constitucionalização do ambiente e a expressa indicação de que as condutas consideradas lesivas a esse valor sujeitarão os infratores a sanções penais, não significa ignorar que a missão do Direito Penal é a proteção subsidiária de bens jurídicos, com a priorização das possibilidades de tutela extrapenal quando estas são suficientemente eficazes. A ordem constitucional de tratar como crimes os comportamentos antiecológicos significam tão-somente admitir o caráter subsidiário de proteção do Direito Penal, com o reconhecimento de que falharam os instrumentos extrapenais.

Na verdade, o comando constitucional de criminalizar os comportamentos antiecológicos foi uma reação às incessantes e graves agressões ao ambiente, de tal forma que:

[…] não se limita simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do ambiente, mas, na esteira da melhor doutrina e legislação internacionais, estabelece a imposição de medidas coercitivas aos transgressores do mandamento constitucional. Assinala-se a necessidade de proteção jurídico-penal, com a obrigação ou mandato expresso de criminalização

A expressa indicação da “lei superior” assume maior relevância num Estado de Direito democrático, no qual a determinação dos valores essenciais da sociedade deve estar consagrada na Constituição em razão do caráter limitativo da tutela penal. Referida indicação constitucional de conteúdo criminalizador confere legitimidade à intervenção penal na proteção do patrimônio natural. 

Assumindo o ambiente a condição de bem jurídico fundamental, expressão de uma sensibilidade constitucional até então não manifestada, a obrigação constitucional de criminalização acabou se convertendo principalmente na Lei n. 9.605/98, embora inúmeras condutas consideradas lesivas ao ambiente (ar, água, solo, flora e fauna) já constituíssem ilícitos penais. Contudo, se à luz do quadro de valores constitucionais anterior à Constituição de 1988 não se exigia expressamente a obrigação de tutelar penalmente o ambiente, a partir daquele marco passa esse bem jurídico a ocupar posição de destaque na hierarquia constitucional, convertendo-se expressamente em bem jurídico-penal catalogado na lei que se encontra no vértice do ordenamento jurídico. Dessa forma, todos os componentes do ambiente passam à categoria de bens jurídicos-penais constitucionais.

O reconhecimento de que o ambiente é um bem macrossocial, somado ao fato de a Constituição ter descortinado expressamente a possibilidade de converter em delitos as condutas que atentam contra a integridade desse bem, não pode conduzir ao emprego meramente simbólico do Direito Penal, transformando todas as infrações relacionadas com a proteção do ambiente em delitos. É absolutamente necessário que se opere uma cuidadosa seleção das condutas a serem criminalizadas. 

4. Aspectos gerais da tutela penal do ambiente

4.1. Delimitação do bem jurídico a proteger

Para proteger os interesses sociais mais relevantes, deve o Estado adotar primeiramente meios menos lesivos antes de empregar o Direito Penal, porque este é um instrumento subsidiário, a ultima ratio, como se tem insistentemente afirmado. Importante enfatizar que deverá preferir-se antes a utilização de meios desprovidos de caráter de sanção, como uma adequada política social. De qualquer forma, o Direito Penal de um Estado democrático e social somente se justifica como um sistema de proteção da sociedade e de seus valores mais transcendentes, sendo que os interesses sociais que por sua importância podem merecer a proteção do Direito se denominam bens jurídicos

Os bens jurídicos são descritos como “valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”. Aníbal Bruno arremata, de forma precisa, que bens jurídicos “são interesses fundamentais do indivíduo ou da sociedade, que, pelo seu valor social, a consciência comum do grupo ou das camadas sociais nele dominantes elevam à categoria de bens jurídicos, julgando-os merecedores da tutela do Direito, ou, em particular, da tutela mais severa do Direito Penal”. 

O bem jurídico-penal está relacionado com uma escolha, e esta deve refletir, na exata medida, a relevância do objeto. A escolha do bem jurídico é de fundamental importância, especialmente para um Direito Penal de feição liberal e cientificamente moderno, instrumento próprio de um Estado de Direito democrático e social. Em outras palavras, o Direito Penal deve ocupar-se de garantir a proteção dos valores mais transcendentes para a coexistência do homem em sociedade, destacando-se aí o ambiente, e em particular a flora, elemento absolutamente indispensável para a manutenção do equilíbrio ecológico planetário.

Embora o ambiente se destaque como um importante bem jurídico merecedor de proteção penal, há necessidade de um perfeito delineamento conceitual do objeto de proteção do Direito Penal Ecológico, uma vez que múltiplas concepções do ambiente poderão ter relevância jurídica.

O estabelecimento de um conceito preciso de ambiente é questão bastante tormentosa, sobretudo porque invariavelmente se pretende empregar um mesmo conceito para os mais variados setores do ordenamento jurídico. Parte da doutrina, quando aborda a noção jurídica de ambiente, afirma não dever ela ficar limitada aos seus aspectos biológicos, mas sim compreender também uma abordagem jurídica totalizadora, porque assim se ampliará a tutela jurisdicional ambiental, imprescindível para resguardar o direito fundamental insculpido no caput do artigo 225 da Carta Constitucional: meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e reconhecido como essencial à sadia qualidade de vida. 

A esse respeito, pondera-se que o conceito de ambiente deve ser globalizante ou totalizador, e nesse sentido, não pode ser compreendido como sendo constituído apenas pela água, solo, ar, flora e fauna (meio ambiente natural), mas também pelos espaços urbanos fechados (conjunto de edificações) e espaços urbanos abertos (equipamentos públicos, tais como ruas, praças, parques etc.), que integram o denominado meio ambiente artificial, e ainda aquele ambiente constituído pelo patrimônio histórico, arquitetônico, artístico, turístico, arqueológico, paisagístico, científico e paleontológico, havido como meio ambiente cultural. Trata-se evidentemente de um conceito amplíssimo, totalizante, compreendendo não só os componentes ambientais naturais, mas também componentes humanos artificiais e culturais. Nesta mesma linha de raciocínio, justifica Fernando Fuentes Bodelón que “todos os fatores que integram o mundo natural estão relacionados em interação contínua e profunda […], dando-se esta relação também com o mundo artificial ou humano”. 

Édis Milaré, adepto dessa concepção totalizante, sustenta que “o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos”, afirmando a existência de ecossistemas naturais e ecossistemas sociais. Sob o prisma da sociologia não se pode negar a amplitude do termo ecossistema, mas há que se ter em conta que o mesmo foi  emprestado das ciências biológicas. 

Os ecossistemas são sempre naturais, não podendo ser classificado como tal o “ambiente” criado pelo homem.  

Ainda dentro dessa perspectiva globalizante, e sob o fundamento de que o termo meio ambiente é um conceito jurídico indeterminado e que deve ter seu conteúdo preenchido pelo intérprete, por vezes acrescenta-se mais um aspecto àquela classificação tripartida: o meio ambiente do trabalho. Este se constitui no local onde “as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)”. Afirma-se que o artigo 225 da Constituição Federal diz respeito a todos os aspectos do ambiente, aí se incluindo o ambiente do trabalho porque é nesse ambiente que o homem passa a maior parte de sua vida produtiva. Assim, seria “impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio do ambiente do trabalho”.

Uma outra vertente doutrinária propõe um conceito reducionista de ambiente, concebendo-o como o conjunto de “elementos naturais de titularidade comum e de características dinâmicas: em definitivo, a água e o ar, veículos básicos de transmissão, suporte e fatores essenciais para a existência do homem sobre a Terra”.  Deste conceito bastante restrito, Ramón Martín Mateo justifica a exclusão do solo porque pertinente a sua gestão à ordenação global do território e à luta contra a erosão, com transcendência mais ampla que a própria gestão ambiental. O ambiente é considerado enquanto entorno natural, constituindo-se em bens tutelados apenas os recursos naturais comuns – a água e o ar -, posto que, uma vez inadequadamente manejados, veiculam toda uma série de transtornos dos sistemas naturais. Portanto, desta concepção natural, contudo reducionista de ambiente, são excluídos os outros componentes naturais: flora, fauna e solo.

As duas concepções de ambiente aludidas não estão em conformidade com o texto constitucional brasileiro, nem tampouco demarcam o objeto de proteção do Direito Penal Ecológico.

Não é necessária qualquer maximização do que se deve compreender por ambiente, isso porque a agregação de outros componentes – humanos – ao conceito não implicará na ampliação da sua tutela jurisdicional, como equivocadamente se tem afirmado. Nem tampouco um conceito reducionista é apto a revelar a exata dimensão do bem jurídico ambiente, tal qual consagrado na Constituição e na legislação ordinária, em especial na Lei n. 6.938/81. 

Constitui um equívoco a justificativa apontada para a adoção da concepção globalizante de ambiente porque a tutela dos componentes “ambientais” humanos prescinde do artigo 225 da Constituição Federal. Nada justifica optar-se por um conceito amplíssimo de ambiente, que inclua não só os componentes ambientais naturais, mas também os componentes ambientais humanos (artificiais e culturais), isso porque o texto constitucional dedicou uma seção própria dentro do Capítulo III para o que se convencionou denominar meio ambiental cultural, e que constitui-se simplesmente em patrimônio cultural. Da mesma forma o capítulo que trata da política urbana engloba os componentes “ambientais” humanos desprovidos de especiais valores, denominado meio ambiente artificial, e que, na verdade, é objeto do Direito Urbanístico, porque relativo à ordenação do território.

Tampouco é possível aceitar que “a tutela mediata do meio ambiente do trabalho concentra-se no caput do artigo 225 da Constituição Federal”. Não é porque o artigo 200, inciso VIII, assinala que ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”, que tal ambiente está conectado com o artigo 225. 

A interpretação da Constituição pressupõe uma visão de conjunto, isto é, parte da “premissa fundamental de que a Constituição há de ser interpretada sempre como um todo, com percepção global ou captação de sentido”. Através desse método integrativo ou científico-espiritual de interpretação da Constituição, “nenhuma forma ou instituto de Direito Constitucional poderá ser compreendido em si, fora da conexidade que guarda com o sentido de conjunto e universalidade expresso na Constituição. De modo que cada norma constitucional, ao aplicar-se, significa um momento no processo de totalidade funcional, característico da integração peculiar a todo ordenamento constitucional”.

O princípio da unidade da Constituição, catalogado por J.J. Gomes Canotilho como um dos princípios da interpretação constitucional, significa que a Carta Constitucional “deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas”, obrigando o intérprete a ter em conta a Constituição na sua globalidade e harmonizar os espaços de tensão existentes entre suas normas a concretizar, de forma que se “deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”. 

Não é porque a Constituição reconheceu a existência de um meio ambiente do trabalho que, pelo simples fato de a palavra trabalho ter sido precedida pela expressão meio ambiente, estará aquele ambiente conectado com o artigo 225 da Carta da República. São institutos totalmente distintos. O artigo 200, inciso VIII, diz respeito sim ao ambiente em que são desenvolvidas atividades laborais, mas isto não guarda nenhuma conexão com meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido e declarado como direito fundamental no caput do artigo 225 da Carta Magna. Entender dessa forma é ignorar a realidade e o conteúdo da norma constitucional expressa no artigo 225, que não dá margem para a formulação de um conceito globalizante de ambiente, nele inserindo elementos que não sejam naturais, como será oportunamente demonstrado.

Porque assim pode ser convencionado, é perfeitamente aceitável referir-se a meio ambiente do trabalho como o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, cujo equilíbrio está na dependência da salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, mas tais condições não podem ser associadas ao ambiente natural. O mesmo raciocínio vale para o que se convencionou chamar de meio ambiente artificial ou meio ambiente cultural. 

Essas concepções apenas depreciam o valor constitucional gravado no artigo 225 da Carta Constitucional, que se referiu apenas ao ambiente natural, sendo que a inserção de qualquer outro elemento que não seja dessa natureza ao conceito de ambiente não poderá ser havida como uma interpretação conforme a Constituição.

A interpretação normativa, assim como sua construção, deve estar obrigatoriamente vinculada aos critérios e valores estabelecidos na lei maior. “A Constituição assegura uma unidade material de sentido ao ordenamento jurídico – unidade normativa-material – sobre a base de uma ordem de valores. Aliás, a especificidade constitucional reside exatamente no fato de ser uma norma portadora de determinados valores materiais, que lhe dão sentido próprio e presidem sua interpretação. Assim, a nenhuma norma infraconstitucional é facultado ignorar esse quadro axiológico e todas devem ser examinadas objetivando tornar possível sua real concreção”. 

Dessa forma, como nenhuma norma infraconstitucional pode ignorar o quadro axiológico previamente estabelecido na Carta Constitucional, igualmente a “interpretação conforme a Constituição implica uma correlação lógica de proibição de qualquer construção interpretativa ou doutrinária que seja direta ou indiretamente contrária aos valores constitucionais”.

Por fim, a segunda concepção, centrada apenas em dois componentes ambientais naturais – água e ar – e, portanto, contemplando um conceito demasiadamente restrito de ambiente, situa-se numa posição muito aquém do que efetivamente prognosticou o artigo 225 da Constituição.

Nessa linha de raciocínio, o conceito mais apropriado de ambiente é aquele que contempla apenas elementos naturais – ar, água, solo, fauna e flora -, isso porque a elaboração de um conceito jurídico de ambiente jamais deve apartar-se de uma investigação científica, com especial destaque para uma correta interpretação da Constituição Federal, que não acolheu a noção amplíssima (globalizante) nem tampouco a reducionista (restrita) de ambiente. Qualquer tentativa de maximização ou redução do que se deve compreender por ambiente, nele agregando componentes humanos ou excluindo componentes naturais, não estará em conformidade com o texto constitucional.

O conceito jurídico-constitucional de ambiente tem contornos essencialmente naturais, tal como é concebido nas ciências biológicas.

Oportuno enfatizar que a investigação objetivando delimitar os precisos contornos do conceito de ambiente, estabelecendo um horizonte indispensável para sua compreensão, está diretamente associada às concepções filosóficas que norteiam o comportamento do homem para com a natureza: pode-se partir de uma perspectiva essencialmente antropocêntrica, em que o único objetivo da defesa do ambiente é defender a vida humana, ou então de uma perspectiva ecocêntrica ou biocêntrica, em que “o ambiente já é tutelado em si mesmo, procurando-se a defesa e promoção da natureza como um valor novo”. Neste particular aspecto, não se adota uma postura absolutamente ecocêntrica, pela qual os interesses humanos seriam desconsiderados, mas sim um ponto de partida no qual todos os interesses, humanos e não-humanos merecem consideração, até porque as expressões ecocêntrica ou biocêntrica não sugerem a exclusão dos interesses humanos.

Todo o Capítulo VI da Constituição Federal está centrado em componentes ambientais naturais, nada autorizando o intérprete pretender agregar outros elementos que não sejam desta natureza, a exemplo dos chamados componentes ambientais humanos, cuja inserção ao conceito de ambiente decorre do fato de estarem estes também associados à noção de qualidade de vida.

É irrefutável que a qualidade de vida esteja conectada com a qualidade do ambiente, seja qual for este, mas a Carta Constitucional delimitou o âmbito do que se deve compreender por meio ambiente no artigo 225, e este dispositivo está todo estruturado em componentes ambientais naturais. Se assim não se entender, tudo o que estiver relacionado com qualidade de vida poderá ser havido como um componente ambiental, especialmente porque a “noção de qualidade de vida sugere uma complexização do processo de produção e de satisfação de necessidades, que tende a superar a divisão simplista entre necessidades objetivas e necessidades de caráter subjetivo, ou inclusive a dicotomia entre fatores biológicos e psicológicos, incorporando a determinação cultural das necessidades. Em sua análise imbricam-se as noções de bem-estar, nível de renda, condições de existência e estilos de vida; tecem-se processos econômicos e ideológicos na definição de demandas simbólicas e materiais, na imposição de modelos de satisfação por intermédio de efeitos de demonstração e na manipulação publicitária do desejo”.

A Carta Constitucional claramente aponta para uma concepção de ambiente circunscrita a componentes naturais, embora se reconheça que componentes humanos possam integrar um ambiente, mas não o ambiente elevado à categoria de bem jurídico constitucional previsto no artigo 225. 

A concepção totalizadora de ambiente deve ser especialmente repudiada sob pena de se converter num conceito juridicamente imprestável e banalizado, porque flagrantemente destoante do texto e do contexto constitucional, que, ao assegurar o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, claramente concebeu um direito ecológico. 

O reconhecimento de que a noção de ambiente deve ficar circunscrita a aspectos naturais não a torna ideologicamente neutra, alheia a interesses econômicos, sociais e culturais. A ordem constitucional, que deu um tratamento específico ao assunto, não autoriza a construção de um conceito que contemple aspectos generalizados das relações sociedade-natureza, especialmente quando fruto de uma abordagem jurídica. 

Não é só o texto constitucional que justifica centrar a noção de ambiente em seus componentes naturais, isso porque o próprio conceito de ambiente estabelecido na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – LPNMA (Lei n. 6.938/81) também orienta essa interpretação (artigo 3º, inciso I).

O artigo 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/81, estruturou-se sobre bases naturais, e ainda partiu de uma perspectiva biocêntrica ao estabelecer que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Somente os aspectos naturais foram contemplados no conceito legal, e mesmo assim a definição é bastante abrangente, “pois vai atingir tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege”.

Esse dispositivo foi integralmente organizado com base num ambiente natural, de forma que a Política Nacional do Meio Ambiente seja fundamentalmente voltada para a preservação, melhoria e recuperação dos recursos naturais (artigo 2º, caput). José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, fazendo alusão ao artigo 2º da Lei de Bases do Ambiente de Portugal (Lei n. 11/87, de 07 de Abril), cujo texto não tem a mesma magnitude do artigo 2º da LPNMA, avalia que o preceito da legislação ambiental lusitana põe “em evidência a necessidade de que toda a política do ambiente (e também a sua disciplina jurídica) se dirija, pelo menos prioritariamente, à conservação e promoção dos recursos naturais que constituem, de acordo com a posição para que propendemos, o núcleo central da noção jurídica de ambiente”.

Considerando que o conceito biológico e legal de ambiente agrega a interação como seu elemento, sequer haveria razão para consagrar a expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, artigo 225, caput) como direito fundamental. Contudo, considerando que a Ecologia está firmemente radicada na Biologia, embora venha cada vez mais se revelando como uma disciplina integradora, que une os processos físicos e biológicos, servindo de conexão entre as ciências naturais e as ciências sociais, deu a Carta Constitucional mais um indicador de que o bem jurídico ambiente deve ficar circunscrito a seus componentes naturais quando empregou a palavra ecologicamente para referir-se ao ambiente. 

Mas não é só a Constituição Federal e a LPNMA que revelam o acerto dessa concepção intermediária (ampla) e essencialmente natural de ambiente. O repúdio às outras concepções – globalizante e reducionista – decorre igualmente da articulação do Direito com outras ciências, em razão das variadas interfaces do objeto ora tratado. Uma das formas possíveis de viabilizar essa articulação é por meio da “importação de conceitos de outras ciências para serem trabalhados e transformados pelas necessidades internas do desenvolvimento do conhecimento da ciência importadora”.

Enfim, o núcleo central da noção jurídica de ambiente deve ficar circunscrito aos seus elementos naturais – ar, água, solo, flora e fauna -, não podendo ser admitida a ampliação do conceito para englobar componentes ambientais humanos, nem tampouco sua redução, com a exclusão de alguns componentes (solo, flora e fauna). Essa linha de pensamento evita desvios à lógica unitária do sistema jurídico, posto que a delimitação dos contornos do conceito está em conformidade com a Constituição Federal e a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, além de resultar da articulação do Direito com outras ciências.

Da mesma forma, sob a orientação da Constituição Federal, a concepção de ambiente que melhor atende à função primordial do Direito Penal é a intermediária, sobretudo “diante da extrema indeterminação das concepções totalizadoras ou amplíssimas e do reduzido âmbito das teses restritas. A primeira dificulta sobremaneira a individualização da matéria proibida ou ordenada (e permitida), e a segunda impede uma tutela efetiva em consonância com o conteúdo e a relevância do bem jurídico e o mandato constitucional”. 

A concepção globalizante inclui aspectos que reuniriam qualquer setor da vida, ao passo que a postura restritiva ignora elementos naturais relevantes, a exemplo da flora, de tal forma que realmente a posição intermediária apresenta-se como mais coerente e apropriada na construção do ambiente como bem jurídico-penal. Como enfatiza a doutrina, se num primeiro momento o bem jurídico tutelado era constituído normalmente pela “limpeza da água, do ar e do solo”, foram depois incorporados outros valores ao ordenamento jurídico-penal, tais como “a proteção penal emprestada aos animais, às plantas ou a outras formas de vida […]”. 

É preciso atentar que é inevitável o recurso a fontes extrajurídicas para precisar os contornos do injusto penal ecológico, e mais individualizada será a matéria proibida ou ordenada, com reflexos na efetividade da tutela do bem jurídico, se a concepção de ambiente estiver circunscrita a elementos naturais. 

O ambiente, para o Direito Penal, deve ser um conceito fundamentalmente biofísico, compreendendo todos os elementos do mundo natural (bióticos e abióticos), deixando de lado outras concepções que relacionam esse conceito com o mundo artificial construído pelo homem, ainda que este tenha agregado valores culturais, porque absolutamente não diz respeito à manutenção do equilíbrio ecológico. O mundo natural e o mundo artificial são realidades diferentes, e, por isso mesmo, merecem tratamentos substancialmente diferentes.

Uma outra questão lembrada pela doutrina e pertinente ao tema do bem jurídico tutelado diz respeito à “necessária distinção entre o ambiente como bem jurídico categorial, ou seja, como objeto jurídico genérico de proteção, e como bem jurídico específico (em sentido técnico) protegido em um determinado tipo legal de delito, isto é, como objeto jurídico próprio de cada figura delitiva”.

Na maioria dos delitos definidos na Lei n. 9.605/98 tutela-se o ambiente. Não todos porque na citada lei há previsão também de delitos contra o patrimônio cultural e o ordenamento urbano. Contudo, naqueles em que o ambiente é o bem jurídico objetivado, existem bens jurídicos específicos, como no caso dos delitos contra a flora. Ainda assim é possível verificar-se uma maior verticalização do bem jurídico, quando, por exemplo, é feita alusão no tipo penal a determinadas formações vegetais, como ocorre nos artigos 38, 39 e 50, além de outros. 

A acentuada especificação do objeto de proteção pode comprometer uma eficiente proteção do bem jurídico categorial. É o que se verifica na lei penal ecológica, porque nos injustos penais que cuidam da flora aludiu o legislador especificadamente a determinadas formações vegetais e simplesmente ignorou outras, tão importantes quanto aquelas expressamente mencionadas. A Lei n. 9.605/98, ao invés de especificar uma ou outra formação vegetal (artigos 38, 39, 44 e 50), deveria ter simplesmente aludido às formações vegetais situadas em espaços territoriais especialmente protegidos ou às formações vegetais objeto de especial proteção. Se assim tivesse construído os tipos penais, certamente o bem jurídico flora gozaria de maior proteção.  

Importa ainda considerar que a noção de bem jurídico não se confunde com a de objeto material do delito, conquanto possa se estabelecer uma dificuldade na distinção desses conceitos. Os precisos contornos de bem jurídico e objeto material (ou objeto da conduta) ganham especial importância “porque todo delito deve lesar ou pôr em perigo de lesão determinado bem jurídico (princípio da ofensividade, da lesividade ou da exclusiva proteção de bem jurídico)”. Afirma-se que para a perfeita compreensão do objeto da conduta, duas linhas de pensamento merecem ser destacadas: a primeira, com origem em Franz von Liszt, identifica o objeto da ação ou omissão como uma entidade pertencente ao mundo biofísico, ao mundo naturalístico, ao passo que a noção de bem jurídico pertence ao mundo normativo. Contudo, essa concepção puramente física do objeto material é contrária à própria realidade normativa, que prevê como seu objeto entes não-sensoriais (não-perceptíveis) e não circunscritos a uma dimensão espacial; a segunda linha considera o aspecto normativo do objeto material, isto é, o objeto da ação ou omissão é o referido pela conduta típica, ao passo que o bem jurídico é identificado mediante interpretação, pertinente à função protetiva da norma penal. 

A distinção entre objeto material e bem jurídico não pode consistir no fato de os dois conceitos pertencerem a mundos diversos, a saber, o empírico e o normativo. Os planos do ser e dever ser, embora devam ser diferenciados, não devem necessariamente ser separados de forma compartimentada, uma vez que são planos que se comunicam, estão conectados. Na verdade, tanto o conceito de bem jurídico como o de objeto material pertencem ao mundo da norma e ao da realidade. A distinção é feita levando-se em conta a diversa função que exercem. O objeto material esgota seu papel no plano estrutural, do tipo, posto que elemento do fato. Já o bem jurídico se revela no plano axiológico

Nesse contexto, “objeto da ação vem a ser o elemento típico sobre o qual incide o comportamento punível do sujeito ativo da infração penal. Trata-se do objeto real (da experiência) atingido diretamente pelo atuar do agente. É a concreta realidade empírica a que se refere a conduta típica”. Essa realidade empírica, por ser realidade, é passível de apreensão sensorial, podendo ser corpórea ou incorpórea. “De outro lado, o bem jurídico vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido”. Noutro dizer, os bens jurídicos não devem ser compreendidos como objetos possíveis de percepção sensorial, pois são valores espirituais da ordem social sobre a qual descansa a segurança, o bem-estar e a dignidade da existência da comunidade. Ao contrário, o objeto real sobre o qual recai a conduta típica é denominado objeto material (ou de ataque), podendo este se apresentar nas seguintes formas: como unidade psíquico-corporal, como valor social, como valor econômico, como coisa ou como uma situação real.

Como regra, a conduta humana dirigida contra um bem jurídico é materializada no objeto material, isso porque, na realidade, aquele não pode sofrer uma “lesão” porque é constituído de um valor abstrato da ordem social, cuja defesa pelo Direito Penal interessa à comunidade e cuja titularidade pode estar vinculada a um indivíduo ou a coletividade. Contudo, “nem todo bem jurídico terá um suporte corpóreo ou material que possa ser equiparado ao objeto da ação ou do fato. Quando o bem jurídico se apresenta como valor (objetivado), ainda que conectado com a realidade social, o objeto da ação pode ser incorpóreo.

A flora é o bem jurídico específico identificado em inúmeros injustos penais ecológicos da Lei n. 9.605/98, até mesmo porque não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um determinado bem jurídico, e nesta condição é um valor abstrato da ordem social, de titularidade supraindividual. As condutas humanas descritas nos tipos penais florísticos da mencionada lei acabam se materializando nas inúmeras formações vegetacionais ou outros objetos correlatos neles indicados, que servem de base, de suporte para a identificação do bem jurídico.  

4.2. Problemas na construção dos injustos penais ecológicos

4.2.1. Considerações gerais

A evolução histórica do Direito Penal revela que o seu surgimento se deu para proteger interesses particulares, uma vez que a primeira forma de justiça punitiva era justamente a vingança privada, havida como o “germe do Direito Penal”. À medida que o tempo ia vagarosamente se escoando, e adaptando-se às transformações sociais de cada tempo, o Direito Penal igualmente foi assumindo uma feição mais moderna e humanitária, especialmente a partir do Iluminismo, no chamado Século das Luzes (Século XVIII). É nesse ambiente político-cultural, de crítica e de reforma, que Cesare Bonessana, Marquês de Beccaria, publica Dei delitti e delle pene, em 1764, inspirado, sobretudo, em Montesquieu, Rousseau, Locke e Helvétius, marcando o nascimento do Direito Penal moderno. Desde então, e principalmente no último século, quando ocorreram profundas transformações políticas, sociais e econômicas em todo o mundo, voltou-se o Direito Penal para a defesa e conservação dos interesses mais fundamentais para a existência pacífica dos homens em sociedade, acima de tudo nas últimas décadas, quando passa a integrar a esfera de preocupação moral do homem a tutela de bens jurídicos supraindividuais, de caráter difuso, a exemplo da proteção do patrimônio natural, do patrimônio cultural, da biossegurança, das relações de consumo, do patrimônio público e outros.

Essa nova dimensão do Direito Penal, intervindo na defesa dos valores mais transcendentes da sociedade, acaba gerando algumas dificuldades na construção dos enunciados normativos, uma vez que os enunciados mais simples empregados para a tutela de valores individuais nem sempre se revelam aptos a concretizar a defesa de valores supraindividuais. 

A materialização de uma perfeita proteção de um valor supraindividual como o ambiente, erigido à condição de bem jurídico-penal, está na dependência de se traçar com precisão os contornos do injusto penal ecológico. A dificuldade reside precisamente no fato de o enunciado típico ser extremamente dependente de uma realidade natural afeta a outras ciências, jurídicas e meta-jurídicas. É bem por isso que “a complexidade e a precariedade da matéria penal ecológica torna não sempre fácil a exata individuação do bem jurídico tutelado por determinada proposição incriminadora”. 

Não bastasse a comum complexidade dos injustos penais ecológicos, por vezes a dificuldade de perfeita compreensão dos seus enunciados decorre da técnica empregada na sua construção. Os injustos penais ambientais relativos ao patrimônio florístico são, em sua maioria, quase que uma reprodução das contravenções penais então definidas no artigo 26 do Código Florestal, de rigor técnico-científico bastante duvidoso. Com a edição da Lei n. 9.605/98, apesar do reforço que ela representou na proteção desse patrimônio da humanidade, perdeu-se a oportunidade de aperfeiçoar aqueles tipos penais e, com isso, garantir um tratamento mais primoroso à matéria, com vistas a uma tutela penal eficiente da flora.

O emprego em demasia de conceitos amplos e indeterminados e a excessiva dependência administrativa das descrições típicas são as críticas mais comuns que sofre a Lei n. 9.605/98, sendo ainda observado que:

A orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa. Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais – legalidade dos delitos e das penas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros -, pilares que são do Estado de Direito democrático. A sanção penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico, devendo ser utilizada tão-somente para as hipóteses de atentados graves ao bem jurídico ambiente. O Direito Penal nesse campo cinge-se, em princípio, a uma função subsidiária, auxiliar ou de garantia de preceitos administrativos, o que não exclui sua intervenção de forma direta e independente, em razão da gravidade do ataque.

A indeterminação de tipos penais constitui-se, inquestionavelmente, num obstáculo de difícil transposição, aproximando-se da inconstitucionalidade por violação do princípio da determinação taxativa:

O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e o mais possível certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos. O princípio da determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme. 

A observância do princípio da determinação taxativa é corolário sem o qual o princípio da legalidade não atinge seu objetivo, uma vez que a norma penal deve ser dotada de clareza e de certeza indispensáveis para sua compreensão pelos destinatários da norma e de modo a possibilitar sua correta aplicação. Dessa forma, a exigência de normas penais contendo um teor preciso “decorre do propósito de proteger o cidadão do arbítrio judiciário, posto que fixado com a certeza necessária a esfera do ilícito penal, fica restrita a discricionariedade do aplicador da lei”.

Nem mesmo a magnitude do bem jurídico ambiente pode justificar a imprecisão do injusto penal ecológico a pretexto de que as condutas lesivas ao patrimônio natural não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva, pois isso seria o mesmo que abdicar de um Direito Penal moderno que “se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada que, enunciado neste artigo, tem base constitucional igualmente expressa (art. 5º, XXXIX, CF, e art. 1º, CP)”.

4.2.2. O recurso da norma penal em branco nos delitos ecológicos

A imprecisão do conteúdo de muitos dos injustos penais ecológicos não se apresenta como a única dificuldade na interpretação e aplicação da lei penal concebida para tutelar tão importante bem jurídico. Os destinatários das normas penais ecológicas não devem ficar mais desprotegidos do que em outros setores da realidade jurídica, ainda que se trate da proteção de bem jurídico indispensável para a manutenção da vida no planeta. Eles devem ter a possibilidade de saber com precisão o que é proibido ou o que é ordenado pelo ordenamento jurídico-penal ecológico, em obediência ao princípio da determinação taxativa. Contudo, isso não implica na impossibilidade de reenvios da lei penal para comandos normativos de outros setores do ordenamento jurídico. 

Embora deva o Direito Penal evitar a remissão a outras regras do ordenamento jurídico, se revela apropriado, na construção do injusto penal ecológico, o emprego da norma penal em branco, isso porque bastante estreita a relação da matéria ecológica com a legislação administrativa, posto que a regulação jurídico-penal do ambiente e de outros setores de caráter difuso estão “altamente condicionados por fatores histórico-sociais, que exigem uma atividade normativa constante e variável”. Apesar disso, “convém notar que o uso dessa técnica legislativa pode ensejar, em certas hipóteses, ofensa ao princípio da legalidade dos delitos e das penas”. 

A maioria dos injustos penais ecológicos é dependente de uma atividade normativa extrapenal, revelando essa circunstância uma realidade acessória do Direito Penal Ecológico com relação ao Direito Ambiental Administrativo. Em razão das especificidades do ambiente, o emprego da técnica legislativa que permite completar o perfil dos tipos penais mediante o reenvio normativo constitui uma prática necessária para garantir a proteção do patrimônio natural.

A legitimidade do emprego da norma penal em branco resulta justamente do fato de o Direito Penal protetor do ambiente partir de uma realidade natural e de conhecimento emanado de outras ciências e técnicas, tanto jurídicas como meta-jurídicas. Com isso, evita-se o que freqüentemente se observa com os preceitos penais que nada tem a ver com a realidade social, política, econômica etc., que implicam uma desconexão entre a realidade do bem que se pretende proteger e a norma penal e seu conteúdo, revelando-se esta totalmente ineficaz e ocasionando disfunções graves de conseqüências nefastas. 

A inter-relação do Direito Penal Ecológico com outros ramos do Direito e com as ciências meta-jurídicas deve ser sincronizada e coordenada, sob pena de não ser concretizada uma efetiva proteção do bem jurídico ambiente. Isso implica na construção de tipos penais ecológicos com o mínimo de referências às especificidades do ambiente, deixando esta tarefa para a legislação complementar. Contudo, embora a natureza do bem jurídico justifique o emprego do procedimento legislativo da norma em branco na formulação dos tipos de injusto, um mínimo de exatidão deve ter os tipos penais, como exigência própria de um Direito Penal com feições liberais, porque se assim não for, estará caracterizada a ofensa ao princípio da legalidade, com destaque para o corolário da determinação taxativa, isso porque “surge tão difusa e imprecisa, em alguns casos, a complementação da norma penal, e obriga a tão intrincadas averiguações para positivar-se a existência ou não do crime, que aquele dogma fundamental decai do seu valor como garantia contra imputações especiosas ou arbitrárias”.  

Considerando que o complemento integrador da norma penal em branco pode provir da mesma lei ou de outro ato legislativo, bem como até mesmo de um ato administrativo (a exemplo de um decreto ou portaria), estas disposições complementares passam a integrar, para todos os efeitos, a norma penal incriminadora. Caberá à norma integradora estabelecer as condições ou circunstâncias que completam o enunciado do tipo penal em branco, assumindo ela a condição de fonte subsidiária do Direito Penal. 

Quando a norma complementar emanar da União ou de um de seus órgãos, a exemplo de uma portaria editada pelo IBAMA, nenhuma questão se suscita, até porque declarou Constituição que compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal (artigo 22, inciso I). Contudo, poderá a norma integradora emanar de outro ente da Federação – Estados e Municípios? 

Tanto a União como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para preservar o meio ambiente (Constituição Federal, artigo 23, inciso IV), as florestas, a fauna e a flora (Constituição Federal, artigo 23, inciso VII), bem como podem os Estados e o Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (Constituição Federal, artigo 24, inciso VI). Nesse aspecto é que reside o problema, posto que a Carta Constitucional conferiu capacidade normativa para os entes federados em matéria ambiental, mas reservou apenas para a União a matéria penal. 

A descrição do preceito incriminador e a respectiva conseqüência jurídica são matérias de exclusiva competência da União, mas a integração dos preceitos penais em branco é matéria comum a todos os entes federados. Por certo há de se ter em conta que a esfera de Poder de onde emana o complemento da lei penal em branco “deve ter o cuidado de respeitar a natureza das coisas porque, do contrário, através de tal recurso pode ser mascarada uma delegação de competências legislativas penais”. Esse cuidado é indispensável porque as descrições típicas ecológicas reportam-se com bastante freqüência a textos extrapenais. Isso se verifica principalmente nas questões relativas aos espaços territoriais especialmente protegidos, uma vez que todos os entes federativos, nos limites de suas respectivas competências, podem editar normas a esse respeito. 

A vastidão do território brasileiro, ocupando quase metade da América do Sul, detentor de biodiversidade incomparável, sobretudo da maior floresta equatorial do planeta, além de outros biomas de extraordinária riqueza e importância, a exemplo da Mata Atlântica, não poderia prescindir de uma atuação legislativa compartilhada na promoção da defesa desse patrimônio natural, tal qual foi reconhecido pela Constituição Federal. Assim, atendidas as peculiaridades regionais e locais, e desde que no âmbito de suas competências constitucionais, podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ditarem normas que, eventualmente, poderão complementar a norma penal em branco, cujo núcleo central do comportamento delituoso se encontra claramente definido e delimitado na norma penal incriminadora ditada pela União. Nestes casos, a norma remissiva de conteúdo extrapenal é um complemento meramente circunstancial do referido núcleo do injusto penal.  

4.2.3. Aspectos da estrutura do tipo de injusto penal ecológico

Sem abdicar jamais dos princípios penais de garantia, conquistados pelo homem ao longo de sua história, a partir do Iluminismo, é preciso ter em conta que é uma exigência de sensatez e de inteligência incluir as experiências históricas de uma sociedade nos processos de decisões políticas que dizem respeito à formulação de uma legislação penal adequada à tutela de bens jurídicos macrossociais. 

No âmbito das discussões públicas sobre os problemas sociais que mais afligem a sociedade, há uma tendência generalizada em debater o acentuado aumento da criminalidade, especialmente a violenta. Contudo, mesmo num cenário de discussões quase monotemáticas, já tem algum tempo que as condutas nocivas ao patrimônio natural, com o conseqüente comprometimento da qualidade de vida dos seres humanos, vêm assumindo dimensões cada vez maiores, com tendência de crescimento à medida que a crise ambiental for mais sentida.

As sociedades industriais estão gerando riscos que podem comprometer a continuidade da existência do homem no planeta. Por isso, há uma forte demanda por segurança, e porque também não dizer por esperança. Assim, no âmbito da criminalidade ecológica, tem relevância o fato de que o progresso econômico potencializa os riscos ambientais. É neste contexto de crise que invariavelmente o Direito Penal é invocado, e é justamente aí que muitas vezes são construídos tipos penais sem nenhum comprometimento com a dogmática penal.

O Direito Penal não é certamente um instrumento capaz de solucionar problemas sociais ou ecológicos tão complexos, mas é empregado com essa finalidade, acabando às vezes por assumir um caráter de arma política.      

Na sociedade moderna de riscos talvez não haja meios de controlar as demandas atualmente dirigidas ao Direito Penal, cuja expansão é uma realidade. Contudo, deve a atividade punitiva do Estado encontrar limites rigorosos nos princípios constitucionais penais, sob pena de a sociedade perder a confiança no Direito.

O conteúdo da matéria proibida ou ordenada deve ser limitado, uma vez que somente por meio de sua indicação concreta são satisfeitas as exigências do princípio nulla poena sine lege. Mais do que o restante dos setores do ordenamento jurídico, deve o Direito Penal preocupar-se em obter uma descrição objetiva de sua matéria de proibição, de modo a concretizar um Direito Penal substancial.

A complexidade da matéria ecológica, algo verificável desde a própria delimitação do bem jurídico protegido, não pode constituir-se num óbice à formulação de tipos penais que reúnam condições de minimamente garantir a integridade dos atributos do ambiente. Neste particular aspecto, algumas questões pertinentes aos problemas na construção dos injustos penais ecológicos já foram abordadas nos tópicos anteriores, passando-se agora a avaliar qual a melhor forma de intervenção do Direito Penal. 

Quando o Direito valorou positivamente o ambiente que, ao receber sua proteção, acabou se convertendo num bem jurídico, conseqüentemente o Direito valorou negativamente as ações que lesionam ou põem em perigo referido valor. Neste contexto, “a doutrina majoritária tem consagrado, sobretudo para os tipos penais básicos – em matéria ambiental -, a forma de delito de perigo, especialmente de perigo abstrato, em detrimento do delito de lesão ou de resultado (material), mediante um rígido processo de tipificação que leve sempre em conta a relação entre o bem protegido e conduta perigosa”. 

A antecipação da intervenção penal ao momento em que o bem jurídico é exposto a uma situação de perigo é a melhor forma de promover a tutela penal do patrimônio florestal, que pode ser irreversivelmente lesionado. 

A adoção de uma intervenção penal com essa característica não deve se dar com relação a qualquer objeto, mas sim reservada especialmente para aqueles objetos que mais intimamente estão conectados com a manutenção dos equilíbrios ecológicos, a exemplo da proteção dos atributos naturais dos espaços territoriais protegidos e para as formações vegetais objeto de especial proteção, hipóteses estas que assumiria o Direito Penal uma missão essencialmente preventiva mesmo antes da ocorrência de qualquer resultado lesivo. Contudo, nem sempre uma ingerência com esse modelo é aceita pela doutrina, como é o caso de Miguel Reale Júnior, que a rejeita, afirmando que a intervenção penal deve se ater apenas aos fatos manifestamente mais graves, “quanto ao bem jurídico e ao modo como é atingido, com a dimensão lesiva de grau mais elevado, sem se pretender que o Direito Penal exerça uma função simbólica de cunho mera e presuntivamente preventivo”. 

Para a caracterização dos delitos de perigo é suficiente a existência de uma situação de perigo (lesão potencial). Dividem-se em delito de perigo concreto e delito de perigo abstrato. No primeiro o perigo integra o tipo penal como elemento normativo, de tal forma que o delito somente se consuma com a sua real ocorrência para o bem jurídico protegido, ou, em outras palavras, o perigo deve ser efetivamente comprovado. Não deixa de ser uma espécie de delito de resultado, uma vez que o bem jurídico sofre um perigo real de lesão. Já no delito de perigo abstrato o perigo constitui a ratio legis, o motivo que dá ensejo à proibição legal de determinada conduta. O perigo é inerente à ação ou omissão, dispensando comprovação.

O crime de perigo não reclama um dano efetivo, bastando que o resultado que integra a ação ou omissão criminosa apresente-se sob a forma de um perigo. Quando a simples realização da conduta típica trouxer consigo real probabilidade de dano, cuja verificação depender a existência do delito, haverá aí um crime de perigo concreto, ou, como leciona Claus Roxin, “os delitos de perigo concreto requerem que no caso concreto se haja produzido um perigo real para um objeto protegido pelo tipo respectivo”. Mas, quando a realização do tipo penal não trouxer nem perigo real nem dano ao bem jurídico, estará caracterizado o crime de perigo presumido ou abstrato. Neste se pune uma conduta tipicamente perigosa como tal, sem que no caso concreto tenha que realmente se produzir um resultado efetivamente perigoso.    

A respeito da incriminação do perigo Paulo José da Costa Júnior assentou:

Costuma-se dizer, em verdade, que se verifica o crime de perigo sempre que a lei transfira o momento consumativo do crime da “lesão” para aquele da “ameaça”, aperfeiçoando-se o crime no instante em que o bem tutelado encontrar-se numa condição objetiva de possível ou provável lesão. Obtém-se dessa forma a confortadora perspectiva de avançar a fronteira protetora de bens e valores, merecedores de especial tutela. De um ponto de vista político criminal, portanto, o recurso aos crimes de perigo permite realizar conjuntamente finalidades de repressão e prevenção, sendo certo que o progresso da vida moderna está aumentando em demasia as oportunidades de perigo comum, não estando a sociedade em condições de refrear certas atividades perigosas, tidas como condições essenciais do desenvolvimento que se processa. Em tal contexto, torna-se evidente que uma técnica normativa assentada na incriminação do perigo é a mais adequada a enfrentar as ameaças multíplices trazidas de muitas partes e por meios estranhos ao sistema ecológico.

A importância da criminalização do perigo com o objetivo de proteger bens jurídicos comunitários pode ser extratada do próprio conceito de perigo, de Francisco Muñoz Conde:

O perigo é um conceito normativo na medida em que se assenta em um juízo de probabilidade de que um determinado bem possa ser lesado pelo comportamento realizado, embora essa lesão posteriormente na realidade não se produza. O juízo de perigo é, pois um juízo ex ante, que é emitido pelo julgador situando-se no momento em que se realizou a ação. Para estabelecer se a ação realizada era perigosa para um bem jurídico, isto é, que era provável que produzisse uma lesão, é preciso que o julgador conheça a situação de fato, na qual se realiza a ação que está julgando (conhecimento ontológico) e conheça, ademais, as leis da natureza e as regras da experiência, pelas quais se pode deduzir que essa ação, realizada dessa forma e nessas circunstâncias, possa produzir geralmente a lesão de bem jurídico (conhecimento nomológico).

A necessidade da construção de uma tipologia criminal adequada para a tutela do patrimônio natural, com especial destaque para uma intervenção ex ante do Direito Penal, não vem sendo observada pelo legislador infraconstitucional. Se de um lado existe uma dificuldade natural na formulação dos injustos penais ecológicos, de outro se verifica a falta de técnica legislativa penal apropriada para dar a essa matéria o tratamento merecido. Aliás, no que diz respeito aos delitos de perigo, Claus Roxin enfatizou que embora cada vez mais presentes na moderna legislação, sua investigação segue ainda no início. 

Não obstante a predileção por uma estrutura típica de perigo, a tutela penal do ambiente prevista na Lei n. 9.605/98 contempla poucos delitos com essa característica. Mais uma vez considerando a flora como paradigma, nota-se que as mais expressivas formações vegetais brasileiras não são protegidas por meio de uma construção tipológica de perigo, ideal para garantir a integridade desses biomas. 

É inexplicável a ausência de uma intervenção penal dessa natureza em tais hipóteses, uma vez que as experiências históricas e as estatísticas projetam um cenário cada vez mais devastado, tanto é assim que a Constituição Federal impõe a adoção de medidas de precaução no sentido de prever, evitar ou minimizar as causas que possam comprometer a qualidade ambiental, especialmente quando existirem ameaças de danos sérios e irreversíveis. A adoção dessa postura deve inspirar a implementação de políticas públicas relacionadas com a exploração de recursos naturais e, também, a elaboração da legislação protetora do ambiente, sobretudo apontando para uma ingerência penal de forma antecipada à ocorrência de eventuais danos.   

Nessa linha de raciocínio, encontrando-se a flora, particularmente as formações vegetais mais expressivas, numa situação de possível ou provável lesão, deverá haver a conformação do fato a um modelo abstrato previsto na lei. Assim, a proteção do patrimônio florístico com a simples realização do comportamento típico realçaria a expressividade do bem jurídico em questão e deslocaria a barreira de proteção do Direito Penal para momento anterior ao indesejável dano.

Lembra Luiz Regis Prado ainda que “há quem entenda que a opção político-criminal mais adequada para a configuração típica do delito ambiental vem a ser a de delito de mera atividade, pois não se prejudica a natureza de delitos de perigo ou de lesão que lhe possa corresponder”. 

Os delitos de mera atividade são aqueles em que a realização do tipo coincide com o último ato da ação e, portanto, não é produzido um resultado separado desta. Nos delitos desta natureza só há necessidade de examinar a ocorrência da própria conduta. “Ou, noutro dizer, o delito de atividade é aquele em que a própria ação constitui o ponto final do tipo”. Assim, a mera realização do comportamento núcleo do tipo encerra o delito, independentemente da produção de qualquer resultado material, ainda que um resultado de perigo. Neste aspecto, “a similitude entre o delito de pura atividade e o delito de perigo abstrato radica exatamente em que para ambos basta a comprovação do comportamento, que os consuma e lesiona o bem jurídico”. 

Embora existam outras questões pertinentes à estrutura do tipo penal ecológico, pretendeu-se enfatizar que o Direito Penal Ecológico deve ser concebido sob uma perspectiva claramente preventiva, como forma de assegurar-lhe um mínimo de êxito. No trato das questões ambientais resulta absolutamente estéril a concepção do Direito Penal como um mero meio de castigo retributivo imposto pelo Estado. 

O Direito Penal Ecológico é um fenômeno eminentemente coletivo, sendo que neste contexto vale registrar que a dificuldade de construir uma tipologia adequada para a proteção de bem jurídico tão complexo como o ambiente não é difícil ser compreendida. A legislação penal sempre priorizou a proteção de bens jurídicos individuais, tais como a vida, a honra, o patrimônio etc. Contudo, quando a realidade revelou a necessidade de que bens de interesse de toda uma coletividade também fossem incluídos na esfera de preocupação penal do Estado, especialmente com o acentuado crescimento da chamada criminalidade econômica ou com os incontroláveis ataques ao ambiente e, mais recentemente, com os avanços da biotecnologia e seus possíveis reflexos na saúde humana e no ambiente, deparou-se o legislador com obstáculos que à primeira vista estão parecendo incontornáveis.

Por fim, cumpre destacar que a construção de um Direito Penal Ecológico que possa efetivamente reduzir de forma considerável as condutas que mais gravemente atentam contra o bem jurídico ambiente se constitui, atualmente, num “interesse fundamental de toda a sociedade”. Contudo, à vista da indeterminação e da dimensionalidade espacial dos problemas ambientais, assim como em observância aos princípios de realidade e de solidariedade, se torna indispensável conceber um Direito Penal Ecológico com a idéia de supranacionalidade delitiva

Os atentados mais graves cometidos contra o patrimônio natural, de natureza transnacional, devem ser concebidos como injustos penais supranacionais, e deveriam configurar delitos contra a humanidade. Para isso, haveria a necessidade do estabelecimento de uma normatividade supranacional de proteção ao ambiente, a criação de um organismo internacional com poderes de fiscalização e, ainda, atribuir a um tribunal internacional a competência para julgar e impor as sanções penais estabelecidas naquele conjunto de normas internacionais de proteção ambiental.  

5. Considerações finais

Não se pretende com isso afirmar que somente a humanidade tenha direito ao futuro, ou que se deve preservar os recursos naturais apenas como forma de garantir o futuro do homem, uma vez que evidenciada estaria uma postura utilitarista e antropocêntrica inaceitável. Toda a comunidade biótica tem direito ao futuro, não só pelo que representa para os humanos, mas por ela mesma. A natureza deve ser preservada pelo seu próprio valor, e não apenas porque ela pode ser útil ao ser humano.

Essa concepção estabelece o paradigma ético a governar a relação homem/natureza, de forma a estabelecer uma mínima igualdade biocêntrica que garanta a toda forma de vida o direito de viver e de se desenvolver, porque o mundo natural merece a consideração humana. Nessa linha de pensar, a humanidade precisa desenvolver as bases adequadas para a formulação de um padrão ético de comportamento que conduza à estruturação de uma comunidade planetária ideal, comprometida universalmente com o bem-estar geral.

Numa sociedade de riscos na qual estão presentes situações sociais de perigo, especialmente responsáveis pela eclosão de uma grave crise ambiental de dimensão global, o Direito Penal ainda não encontrou uma “fórmula” capaz de assegurar a efetiva tutela a bens jurídicos comunitários lesados ou ameaçados de lesão, mediante a criação de uma tipologia criminal adequada. Contudo, apesar desse contexto, há que se ter sempre em conta que o Direito Penal moderno tem como escopo imediato e primordial a proteção de bens jurídicos relevantes, incluídos no quadro axiológico traçado na Constituição, ou decorrente da concepção de Estado de Direito democrático. 

Na condição de bem jurídico constitucional, de caráter comunitário, o ambiente deve necessariamente receber a proteção do Direito Penal, especialmente porque a Constituição descortinou expressamente a possibilidade de converter em delitos as condutas que atentam contra a integridade do ambiente. Contudo, tal circunstância não pode conduzir ao emprego meramente simbólico do Direito Penal, transformando todas as infrações relacionadas com a proteção do ambiente em delitos. Mesmo no tocante àqueles elementos que estejam diretamente relacionados com a manutenção do equilíbrio ecológico planetário deve operar-se uma cuidadosa seleção das condutas a serem criminalizadas.  

Uma intervenção eficaz do Direito Penal na área ecológica depende da delimitação dos precisos contornos do bem jurídico-penal ambiente, e, inquestionavelmente, a que melhor tem condições de assegurar uma eficiente ingerência do Direito Penal deve ficar circunscrita apenas a elementos naturais – ar, água, solo, fauna e flora -, isso porque a elaboração de um conceito jurídico de ambiente jamais deve apartar-se de uma investigação científica, com especial destaque para uma correta interpretação da Constituição Federal, além de resultar essa conclusão da articulação do Direito com outras ciências. Esse deve ser o núcleo central da noção jurídica de ambiente, não podendo ser admitida a ampliação do conceito para englobar componentes ambientais humanos, nem tampouco sua redução, com a exclusão de alguns componentes (solo, flora e fauna). Assim compreendido, evita-se a extrema indeterminação da concepção totalizadora e o reduzido âmbito do conceito restrito, uma vez que a primeira dificulta a individualização da matéria proibida ou ordenada, e a segunda impede uma tutela efetiva do bem jurídico gravado na Constituição. 

Enfim, a materialização de uma perfeita proteção do valor macrossocial ambiente é dependente de se traçar com precisão os contornos do injusto penal ecológico, uma vez que nem mesmo a magnitude do bem jurídico ambiente pode justificar a imprecisão do injusto penal a pretexto de que as condutas lesivas ao patrimônio natural não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva, pois isso seria o mesmo que abdicar de um Direito Penal assentado em princípios penais fundamentais inerentes a um Estado de Direito democrático.

  1. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25.
  2. ODUM, Eugene P. Ecologia. Trad. Ricardo I. Rio e Christopher J. Tribe. Rio de Janeiro: Guanabara, p. 341.
  3. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jimnez e Maria Rosa Borras. Barcelona: Paids, 1998, p. 25.
  4. Para Jos Rubens Morato Leite e Patryck de Arajo Ayala o conceito de risco a expresso característica de sociedades que se organizam sob a nfase da inovação, da mudança e da ousadia. Reproduz essencialmente a pretenso moderna de tornar previsíveis e controláveis as conseqncias imprevisíveis das decisões, tentando submeter ao controle o que incontrolável, propondo prever o imprevisível, e, principalmente, sujeitando os efeitos colaterais dessas decisões a arranjos institucionais adequados, compreendendo um conjunto de ações, programas e políticas institucionais compatíveis com o objetivo de gerar segurança em contextos de imprevisibilidade (LEITE, Jos Rubens Morato; AYALA, Patryck de Arajo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 14).
  5. O dano ambiental transnacional uma realidade, seja ele decorrente de desastres naturais ou da conduta humana, sobretudo porque a natureza absolutamente indiferente aos limites e convenções geopolíticas entre os diferentes países. Num contexto de danos ambientais que extrapolem os limites territoriais de um país, Walter David Pelle sugere a necessidade de instituir a responsabilidade ambiental internacional, afirmando que o ilícito ambiental deve ter um reconhecimento da comunidade internacional e no só no âmbito do direito interno. Avalia que a criação de regras de direito internacional no que diz respeito responsabilização pela reparação ou compensação do dano ambiental transfronteiriço necessidade cada vez mais presente, embora inmeros documentos internacionais façam aluso responsabilidade que cada país tem quando exploram seus recursos naturais (PELLE, Walter David. El dano ambiental en el derecho civil argentino y comparado. Derecho ambiental: su actualidade de cara al tercer milnio. Coord. Pablo Jimnez. Buenos Aires: Ediar, 2004, p. 414-424).
  6. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mo de Alice: o social e o político na ps-modernidade. 8. ed. So Paulo: Cortez, 2001, p. 296.
  7. Cf. BECK, Ulrich, op. cit., p. 43-44.
  8. Seguramente, os perigos socialmente decididos pelos detentores do poder, e conseqentemente socialmente produzidos, transcendem os limites da segurança. A implementação de qualquer política desenvolvimentista sempre esbarra na questão ambiental, podendo a ocorrer a legitimação de alguns perigos que comprometam a integridade do ambiente. Confiar plenamente na capacidade de controle estatal temerário, at porque os perigos a que estão expostos o ambiente, com repercussões diretas na qualidade de vida das pessoas, ganham dimensões cada vez maiores, são s vezes incontroláveis e, ainda, invariavelmente produzem efeitos irreversíveis. Em matéria ambiental, a decisão pela criação de perigos deve ser orientada especialmente pelo princípio da dignidade da vida humana, pela proteção dos ecossistemas e pela utilização sustentável dos recursos naturais (ou ambientais), compreendidos estes como a atmosfera, as guas interiores, superficiais e subterrneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (Lei n. 6.938/81, artigo 3, inciso V). Tais recursos naturais devem ser considerados como indispensáveis para assegurar condições propícias a qualquer forma de vida, e não apenas como riquezas disponibilizadas para o homem, embora o progresso social e o bem-estar do homem dependam de atividades que consomem os recursos ambientais. Adverte-se que deve ser encontrado um honesto e virtuoso ponto de equilíbrio na exploração dos recursos naturais, e que por conta da limitada capacidade de regeneração do planeta, já levada para além de seus limites, deverá o homem acomodar sua atividade econômica e social ao que a Terra pode suportar (BELLORIO CLABOT, Dino. Tratado de derecho ambiental, t. I. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2004, p. 37). Esses aspectos devem ser considerados na produção social de perigos, ainda que a justificativa seja a melhoria das condições de qualidade de vida do ser humano.
  9. Verificada a necessidade de intervenção do Direito Penal para a proteção de bens jurídicos imprescindíveis para a coexistência pacífica dos homens, deve a tutela penal dirigir-se apenas contra certas formas de agressão, havidas como socialmente intoleráveis. Somente as condutas mais gravosas, direcionadas contra bens jurídicos relevantes, podem ser objeto de criminalização princípio da fragmentariedade (Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1 : parte geral, arts. 1 a 120. 5. ed. rev. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 149).
  10. LUISI, Luiz. Bens constitucionais e criminalização. R. CEJ. Brasília, n. 4, 1998, p. 105.
  11. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1 a 120, p. 147.
  12. Cf. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal : parte general. Trad. Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002, p. 7-8.
  13. Idem, p. 2.
  14. Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal : parte general : t. I : Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Trad. da 2. ed. alem por Diego-Manuel Luzn Pena et alli. Madrid: Civitas, 1997, p. 55.
  15. Cf. LUISI, Luiz. Bens constitucionais e criminalização, p. 106. O catlogo dos bens jurídicos sujeitos tutela penal pode não coincidir com o rol dos valores constitucionais, embora não seja o caso do patrimônio ambiental, valor deduzido direta e expressamente da Constituição Federal como fundamental. Mas importante ressaltar que quanto mais se manifesta possível a formulação rigorosa de um catlogo de bens jurídicos constitucionalmente individuados como objetos da tutela penal, tanto mais penetrante será a influência da Constituição no sistema e, antes de tudo, na política criminal do ordenamento (PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Trad. Gerson P. dos Santos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989, p. 84).
  16. REALE JNIOR, Miguel. Instituições de direito penal : parte geral : v. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 28.
  17. SILVA SANCHEZ, Jess-Mara. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades ps-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 27.
  18. Sobre o carter subsidiário do Direito Penal na proteção de bens jurídicos, vide ROXIN, Claus. Derecho penal parte general, tomo 1: Fundamentos. La estructura de la Teoria del Delito, p. 51; e, REALE JNIOR, Miguel. Instituições de direito penal, p. 23-24.
  19. REALE JNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal, p. 26.
  20. Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental problemas fundamentais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 64.
  21. PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental problemas fundamentais, p. 64.
  22. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico penal e Constituição. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 69.
  23. PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal, p. 84.
  24. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p. 75.
  25. Cf. DIAS, Jos Eduardo de Oliveira Figueiredo. Direito constitucional e administrativo do ambiente. Cadernos CEDOUA. Coimbra: Almedina, p. 24.
  26. Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1420-1423.
  27. Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1420-1422.
  28. Observa-se que apesar de o constituinte referir-se a condutas e atividades consideradas lesivas, rigorosamente toda conduta lesiva implica uma atividade, assim como toda atividade lesiva decorre de uma conduta. A redação inadequada da Constituição somente se justificaria com o único propósito de não deixar dúvida alguma de que as agressões ao ambiente deverão ser sancionadas (Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários Constituição do Brasil : promulgada em 5 de outubro de 1988, 8 volume : arts. 193 a 232. 2. ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 997).
  29. Cf. BARROSO, Lus Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 201.
  30. BARROSO, Lus Roberto, op. cit., p. 202.
  31. Sustenta-se que caracterizaria inconstitucionalidade por omissão a ausência de normas incriminadoras de condutas que violassem bens jurídicos constitucionais de maior expressividade, sobretudo o ambiente, diante da existência de obrigação constitucional de criminalização (Cf. CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A importncia da tutela penal do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, n. 31. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 69). Nesse mesmo sentido: SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos. So Paulo: Atlas, 2000, p. 102.
  32. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, a previsão constitucional brasileira nada mais significa senão a recomendação de que o direito penal ou o direito administrativo, conforme a gravidade da conduta lesiva ao meio ambiente, a qualifiquem como delito ou infração administrativa. Assim, ela será sancionada como tal, independentemente da obrigação de reparar o dano (Comentários Constituição brasileira de 1988, v. 4, p. 105). Jos Cretella Jnior leciona que a norma constitucional do artigo 225, caput, na forma como se apresenta, mal teria sentido se no fosse completada pelo 3 do mesmo artigo, numa clara alusão necessidade de punição daqueles que atentam contra o valor ambiente (Cf. CRETELLA JNIOR, Jos. Comentários Constituição Brasileira de 1988, v. VIII. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 4517-4518).
  33. Cf. PALAZZO. Francesco C. Valores constitucionais e direito penal, p. 103-104.
  34. Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal parte general, tomo I: Fundamentos. La estructura de la Teoria del Delito, p. 64..
  35. Cf. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 41.
  36. PALAZZO, Francesco C., op. cit., p. 103.
  37. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenao do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005). So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 80.
  38. No bastasse a expressa indicação constitucional de criminalizar as condutas que atentam contra a integridade do patrimônio natural, importante ressaltar que independentemente disso, os bens suscetíveis de proteção penal são os direitos constitucionais do cidadão, os valores objetivamente tutelados e outros inseridos no contexto de garantia do Estado de Direito democrático e social ou que lhe sejam conexos. Aduz-se ainda que o critério básico a partir do qual se pode deduzir um quadro valorativo deve ser fornecido pelos princípios constitucionais insculpidos nos artigos 1, 2, 3 e 5 da Constituição Federal, reconhecidos como fundamento da ordem política e social (Cf. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico penal e Constituição, p. 77-78).
  39. Na Espanha, onde o ambiente igualmente um valor essencial socialmente reconhecido e constitucionalmente proclamado, se afirma a aptidão e a capacidade do Direito Penal para proteger o patrimônio natural. Referido bem goza de uma valoração social suficientemente elevada para poder ser tutelado por normas de natureza jurídico-penais, sobretudo diante da crescente preocupação social com a problemática ecológica (Cf. URRAZA ABAD, Jess. Delitos contra los recursos naturales y el medio ambiente anlisis legal, doctrinal y jurisprudencial. Madrid: La Ley, 2001, p. 60-61). Certamente a manifestação social que mais evidencia a preocupação por temas conservacionistas o movimento ecologista organizado, um fenômeno mundial presente já h várias décadas, embora incontáveis manifestações isoladas com essa temática possam ser identificadas ao longo da história da humanidade. No Brasil, ainda que a realidade social já indicasse que as condutas mais graves realizadas contra o patrimônio natural fossem merecedoras de sanções de natureza penal, isso acaba não ocorrendo a tempo de evitar a dizimação de grandes extensões de cobertura florestal e outros danos gravíssimos perpetrados contra o patrimônio ambiental.
  40. Cf. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal : parte general. 7. ed. Buenos Aires: Julio Csar Faira Editor, 2004, p. 127.
  41. Cf. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal : parte general, p. 128.
  42. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios bsicos de direito penal. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 16.
  43. BRUNO, Anbal. Direito Penal Parte geral, t. I, Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 29-30.
  44. Assinala Francisco Muoz Conde que o conceito de bem jurídico utilizado pelo Direito Penal como critério de classificação, aglutinando os diversos tipos delitivos em funo do bem jurídico neles protegido (delitos contra a vida, contra a honra, contra o patrimônio etc.). Segundo este critério de classificação, distinguem-se entre bens jurídicos individuais (vida, liberdade, honra) e comunitários (sade pública, segurança do Estado, ordem pública) (MUOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Trad. e notas Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 51).
  45. Cf. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p. 23.
  46. Cf. SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 20-21; MILAR, Edis. Direito do ambiente : doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 99-100; MUKAI, Toshio. Direito ambiental : sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 3; FREITAS, Gilberto Passos de. Ilcito penal ambiental e reparao do dano. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 24-27; FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 6. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 18; SIRVINSKAS, Lus Paulo. Tutela penal do meio ambiente : breves considerações atinentes Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1988. 2. ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Saraiva, 2002; MIGLIARI JNIOR, Arthur. Crimes ambientais : lei 9.605/98 : novas disposições gerais penais : concurso de pessoas : responsabilidade penal da pessoa jurídica : desconsiderao da personalidade jurídica. Campinas: Interlex Informações Jurdicas, 2001, p. 26; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos, p. 44-46.
  47. A concepção totalizadora ou globalizante amplíssima, e no ampla, como afirmado por Arthur Migliari Jnior que, a respeito, diz o seguinte: O conceito de meio ambiente não deve se restringir ao ambiente natural, alis, o próprio legislador nacional adotou também conceito amplo, na definição legal do meio ambiente (MIGLIARI JNIOR, Arthur, op. cit., p. 26). Ora, o conceito amplo apenas contempla elementos naturais e repudiado pelo referido autor que, na verdade, acolhe o conceito amplíssimo de ambiente.
  48. FUENTES BODELN, Fernando. Planteamientos previos a toda formulación de um derecho ambiental. DocAdm, n. 190 (Abril-junho, 1981), Madrid, p. 113 e seguintes.
  49. Direito do ambiente, p. 53.
  50. Cf. CRETELLA JNIOR, Jos. Comentários Constituição Brasileira de 1988. v. VIII, p. 4522.
  51. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 21.
  52. PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. So Paulo: LTr, 2002, p. 32.
  53. MARTN MATEO, Ramn. Tratado de derecho ambiental, v. I. Madrid: Editorial Trivium, 1991, p. 86.
  54. Idem, p. 86-89.
  55. Tambm no sentido de que o conceito de ambiente deve ficar circunscrito ao entorno natural: URRAZA-ABAD. Jess. Delitos contra los recursos naturales y el mdio ambiente, p. 61-73.
  56. Afinal, se o conceito deve ser globalizante para a se compreender tudo aquilo que est de alguma forma relacionado com uma sadia qualidade de vida, outros aspectos devero também ser acrescentados s classificações propostas, e ento, a compreensão de ambiente passará a ter uma dimensão cada vez mais ampla.
  57. Assinala o art. 216 da Constituição Federal que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência identidade, ação, memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expressão; II os modos de criar, fazer e viver; III as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados s manifestações artístico-culturais; V os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. dentro deste contexto que se insere o denominado meio ambiente cultural. Não se pretende negar a existência de interação entre o homem e o mundo artificial onde vive, tanto que mereceu atenção do legislador constitucional o ambiente artificial que se impregnou de determinados valores que o tornaram especial, a exemplo de um bem que, com o passar dos tempos, agregou valores históricos. Nem por isso podemos incluir tais componentes dentro da definição de ambiente, tal como foi consagrado no art. 225 da Constituição Federal.
  58. O art. 182, que inaugura o Capítulo II da Constituição Federal, assegura no caput que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
  59. Ao colocar-se de lado a problemática urbanística e do patrimônio cultural e artístico, evita-se a criação de um macroconceito, de modo a fixar, em termos jurídicos, um conceito estritamente ambiental (Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente : meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005), p. 127).
  60. PACHECO FIORILLO, Celso Antonio, ob. cit., p. 22.
  61. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constituciona. 10. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p.436.
  62. Idem, p. 437.
  63. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1148-1149.
  64. Idem, p. 1149.
  65. PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental : problemas fundamentais, p. 56.
  66. Idem, p. 56.
  67. Com precisão, leciona Luiz Regis Prado que as formulações demasiadamente extensas tm carter meramente indicativo ou programático, o que inviabiliza a elaboração de objetivos concreto com rigor lgico-jurídico essenciais estruturação do sistema normativo penal. De outro lado, a visão antagnica de cunho reducionista não garante suficiente proteção do bem jurídico, nem se harmoniza sua noção constitucional (Direito penal do ambiente : meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005), p. 125).
  68. DIAS, Jos Eduardo de Oliveira Figueiredo. Tutela ambiental e contencioso administrativo (Da Legitimidade processual e das suas consequncias). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 22.
  69. Assim considerado, doutrina-se que a corrente de pensamento denominada teoria antropo-ecocntica ou mista teria que o ambiente protegido na condição de bem jurídico-penal autnomo. O ambiente classificado dessa maneira dotado de autonomia sistemática – conquanto objeto jurídico de proteção penal, mas se relaciona de modo indireto a interesses individuais. Da defluiu o que se segue: o ambiente como bem jurídico não uma realidade em si, de valor absoluto, mas sim uma realidade vinculada. Adstrita ou referida indiretamente ao ser humano, ainda que substancialmente autônoma. O ambiente, como bem jurídico difuso, relaciona-se com o homem, direta ou indiretamente, o que não quer dizer que sua proteção fica na dependência dos bens individuais. Por sua própria natureza metaindividual difusa dotado de substancialidade própria (PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente : meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com anlise da Lei 11.105/2005), p. 129-130).
  70. Como regra, os constitucionalistas não enfrentam a questão atinente aos contornos do conceito de ambiente, sendo rara a alusão a tais aspectos. Contudo, quando Uadi Lammgo Bulos enfatiza que meio ambiente complexo de relações entre o mundo natural e os seres vivos, afasta a possibilidade de considerar aspectos artificiais ou culturais na delimitação desse bem jurídico (BULOS, Uadi Lammgo. Constituição Federal anotada. 3. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2001, p. 1262).
  71. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Trad. Sandra Valenzuela. So Paulo: Cortez, 2001, p. 147-148.
  72. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 12. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 92.
  73. DIAS, Jos Eduardo de Oliveira Figueiredo, op. cit., p. 25.
  74. Equilíbrio: a noção chave da ecologia. Uma floresta que se degrada, um solo que se lateritiza, um lago em vias de eutrofização, um rio cujas águas estão a aquecer, já não estão em equilíbrio. A atmosfera deixa de estar em equilíbrio quando o seu teor em oxigênio diminui, ou quando a sua taxa de dióxido de carbono aumenta. Uma fauna perde o seu equilíbrio quando uma única espécie começa bruscamente a pulular. Tais fenômenos são mais ou menos irreversíveis, ou, pelo menos, deixam uma marca que dura bastante mais do que eles próprios duraram. Todo o equilíbrio natural não exclui as variações. Mas há equilíbrio em todos os casos de auto-regulação, ou ainda de retroação negativa, ou seja, quando a mudança produz ela própria o que o irá interromper, ou mesmo o que restabelecerá o estado anterior. O caráter cíclico das variações populacionais de uma presa e do seu predador habitual clássico: por exemplo, a pululação das raposas reduz o efectivo das lebres; as raposas, não tendo então mais nada para comer, reproduzem-se mal, o seu efectivo diminui, a pressão de caça sobre as lebres abranda, e estas tornam-se de novo numerosas; as raposas sobreviventes impedem por seu lado a pululação das lebres matando-as em maior quantidade, etc. (FRIEDEL, Henri. Dicionário de ecologia e do meio ambiente, p. 116).
  75. ODUM, Eugene P., op. cit., p. 2.
  76. LEFF, Enrique, op. cit., p. 32.
  77. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente : meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005), p. 127-128.
  78. Cf. CARVALHO, Érika Mendes de. Tutela penal do patrimônio florestal brasileiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 134.
  79. COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Direito penal ecológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 61.
  80. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente : meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005), p. 128.
  81. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com análise da Lei 11.105/2005), p. 110.
  82. Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1 a 120. p. 265.
  83. Idem, p. 265.
  84. PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1 : parte geral, arts. 1 a 120, p. 266.
  85. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1 a 120, p. 266-267.
  86. Cf. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas, op. cit., p. 277-278. A doutrina assim se pronuncia a respeito: O objeto material do crime constitui o objeto corpóreo (coisa ou pessoa), incluído na definição do delito, sobre o qual recai a ação punível (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal : parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 280). Constitui-se, portanto, na pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do agente, achando-se, direta ou indiretamente, indicado no tipo de injusto. Portanto, distinto do bem jurídico o objeto da ação, que aquela coisa do mundo exterior sobre a qual recai diretamente a ação típica (a coisa alheia móvel no furto). Em algumas ocasiões, podem coincidir ambos os conceitos sobre um mesmo objeto (p. ex. no homicídio), mas inclusive neste caso pode-se distinguir entre o objeto, como objeto material físico sobre o qual recai a ação, e o objeto jurídico como bem ou valor ideal ao qual a lei reconhece como de sua proteção. (CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito, p. 51.). Ou, ainda, o objeto material (ou objeto da ação) constituído pela pessoa ou coisa sobre a que há de recair fisicamente a ação, podendo coincidir com o sujeito passivo. Já o bem jurídico (ou objeto jurídico) aquele que protegido pela lei, e não equivale ao objeto material (Cf. MIR PUIG, Santiago, op. cit., p. 224-225).
  87. Cf. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas, op. cit., p. 275.
  88. As ofensas integridade do bem jurídico-penal flora foram especialmente criminalizadas na Lei n. 9.605/98, embora outros dispositivos do Código Penal e do Código Florestal também possam ser invocados na tutela do patrimônio florístico.
  89. Os bens jurídicos metaindividuais, macrossociais ou supraindividuais […] são característicos de uma titularidade de caráter não pessoal, de massa ou universal (coletiva ou difusa); estão para além do indivíduo afetam um grupo de pessoas ou toda a coletividade -; supõem, desse modo, um raio ou âmbito de proteção que transcende, ultrapassa a esfera individual, sem deixar, todavia, de envolver a pessoa como membro indistinto de uma comunidade (PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com análise da Lei 11.105/2005), p. 119).
  90. A cobertura florestal tem cada dia maior importância no contexto mundial porque os países industrializados depositam nela a confiança de que não haverá necessidade de reduções drásticas da atividade industrial que lança gases na atmosfera, sobretudo gás carbono. A absorção do dióxido de carbono pelas florestas confere a estas uma nova utilidade. Não tem lembrança o homem que as primeiras florestas do planeta, originadas de musgos primitivos milhões de anos atrás, tiveram inegável importância na evolução da vida, e, apesar disso, sobretudo a partir do surgimento das sociedades industriais, são elas dizimadas incessantemente (A respeito do surgimento das florestas, vide: ATTENBOROUGH, David. A vida na Terra : uma história natural. Trad. Cynthia Ayer; rev. Nbio Negro. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 65-92). Importante ainda considerar que a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais, com especial destaque para as florestas, eram valores muito antes que a Constituição Federal brasileira ou outros diplomas infraconstitucionais mais antigos os garantissem contra as intervenções humanas, mas como só a necessidade origina a proteção, bem possível que esse sentir coletivo tenha sido tardio demais, uma vez que os custos de recuperação florestal são altíssimos. No Brasil, depois de quase 500 anos de exploração florestal que uma Constituição converteu em bem jurídico constitucional o ambiente.
  91. Cf. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, v. I, t. I. So Paulo: Max Limonad, 1982, p.13.
  92. Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 1, p. 59.
  93. COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Direito penal ecológico, p. 61.
  94. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005), p. 177-178.
  95. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 18.
  96. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 19.
  97. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1 a 120, p. 139.
  98. Anbal Bruno anota que normas penais em branco são normas de tipo incompleto, normas em que a descrição das circunstncias elementares do fato tem de ser completada por outra disposição legal, já existente ou futura. Nelas a enunciação do tipo mantém deliberadamente uma lacuna, que outro dispositivo legal virá integrar. Nessas leis existe sempre um comando ou uma proibição, mas enunciados, em geral, de maneira genérica, a que só a disposição integradora dará a configuração específica (Direito Penal – parte geral, t. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 204). Ressalta-se que a principal vantagem da norma penal em branco a estabilidade do dispositivo principal, nuclear, emanado da autoridade legislativa de maior categoria, através do moroso e complexo processo parlamentar, bem como que as mutações que se tornarem necessárias em face do decurso do tempo ou da modificação das circunstncias socioeconômicas, são atendidas prontamente com a edição de atos administrativos mais simples e expeditos, da competência de autoridades administrativas, tais como portarias, regulamentos etc. (PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. So Paulo: Revista dos Tribunais, p. 53).
  99. PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental problemas fundamentais, p. 42.
  100. Idem, p. 44.
  101. Faz-se a seguinte classificação das leis penais em branco: próprias e impróprias. As primeiras (leis penais em branco em sentido estrito) são aquelas em que o complemento está contido em outra lei emanada de instância legislativa de grau inferior; as segundas tm o complemento contido na mesma lei ou em outra, oriunda da mesma instância legislativa (Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1 : parte geral, arts. 1 a 120, p. 183).
  102. Cf. URRAZA ABAD, Jess. Delitos contra los recursos naturales y el medio ambiente anlisis legal, doctrinal y jurisprudencial, p. 179.
  103. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, v. I, t. I. So Paulo: Max Limonad, 1982, p. 154.
  104. Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal A nova parte geral, p. 76-77.
  105. ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 427.
  106. Jess Urraza Abad, ao comentar a doutrina espanhola a esse respeito, posto que naquele país reconhecida competência s Comunidades Autônomas para legislar sobre o ambiente e confere competência exclusiva para o Estado legislar sobre Direito Penal, aponta os seguintes fundamentos contrários possibilidade de complementação da norma penal em branco com regras emanadas das Comunidades Autônomas: a) somente lei federal pode determinar a conduta constitutiva do delito e a respectiva pena, e b) violação do princípio da igualdade, uma vez que os territórios demandam uma diversificada proteção ambiental e, de modo algum, poderiam os órgãos legislativos autônomos determinar quais são as condutas merecedoras de uma sanção penal. Em oposição a tais argumentos, cita o autor entendimento do Tribunal Constitucional daquele país, que aceita a possibilidade de integração dos preceitos penais em branco com a normatividade ditada pelas Comunidades Autônomas, desde que dentro de suas competências constitucionalmente atribuídas (Cf. URRAZA ABAD, Jess. Delitos contra los recursos naturales y el medio ambiente anlisis legal, doctrinal y jurisprudencial, p. 155-167).
  107. Cf. ALBRECHT, Peter-Alexis. El derecho penal em la intervencin de la poltica populista. La insostenible situación del derecho penal. Instituto de Cincias Criminales de Frankfurt. Granada: Editorial Comaris, 2000, p. 472 (p. 471-487).
  108. Cf. WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal : uma introdução doutrina da ação finalista. Tradução, prefácio e notas Luiz Regis Prado. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 48.
  109. Leciona-se que as normas jurídicas são normas de determinação, mandatos ou proibições, que se baseiam em juízos de valor, inerentes ao ordenamento jurídico, e que o direito valora positivamente certos bens, que, ao gozarem de sua proteção, se convertem em bens jurídicos. De modo conseqente, o direito valora negativamente as ações que lesionam ou põem em perigo os bens jurídicos (MIR, Jos Cerezo. Ontologismo e normativismo na teoria finalista. Cincias Penais. Revista da Associação Brasileira de Professores de Cincias Penais, n. 00. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 15).
  110. PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente : meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurana (com a análise da Lei 11.105/2005), p. 135.
  111. Quanto a esse modelo de intervenção, afirma Paulo Jos da Costa Júnior que uma construção típica dessa natureza asseguraria uma linha avançada de defesa, assumindo o delito ecológico características de crime-obstáculo (Direito penal ecológico, p. 79).
  112. Cf. REALE JNIOR, Miguel. Meio ambiente e Direito Penal brasileiro. Cincias Penais. Revista da Associação Brasileira de Professores de Cincias Penais, n. 02. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 70-71.
  113. Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1 : parte geral, arts. 1 a 120, p. 257-258.
  114. Cf. BRUNO, Anbal. Direito Penal : parte geral. t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 222.
  115. ROXIN, Claus. Derecho Penal : parte general : t. I : Fundamentos. La estructura de la teoria del delito, p. 404
  116. Heleno Cláudio Fragoso alude ao crime de perigo abstrato como crime de simples desobediência, uma vez que com sua formulação, estar-se-ia atendendo a regras da experiência que revelam ocasionar normalmente perigo determinadas condutas (Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal : a nova parte geral, p. 174).
  117. COSTA JÚNIOR, Paulo Jos da. Direito Penal Ecológico, p. 74-75.
  118. MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria peral do delito. Trad. e notas Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 87-88.
  119. ROXIN, CLaus. Derecho Penal : parte general : t. I : Fundamentos. La estructura de la teoria del delito, p. 403.
  120. Est implícito no artigo 225 da Constituição Federal o princípio da prevenção, sobretudo quando assinala a) a necessidade de realização de estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente; b) a publicidade que deve ser dada ao referido estudo, evidenciando a necessidade de participação popular (audiências públicas); c) o dever de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio amiente; d) o dever de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; e) o dever de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e manipulação de material genético.
  121. PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental : problemas fundamentais, p. 77.
  122. Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal : parte general : t. I : Fundamentos. La estructura de la teoria del delito, p. 328-329.
  123. PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental : problemas fundamentais, p. 78.
  124. Idem, p. 78.
  125. A criminalidade econômica se verifica, sobretudo, contra os meios financeiros do Estado, e visa a satisfação de interesses individuais em detrimento dos interesses da coletividade (Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manoel da Costa. Problemática geral das infrações contra a economia nacional. Temas de direito penal econômico. Org. Roberto Podval. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 79).
  126. FREITAS, Gilberto Passos de. A tutela penal do meio ambiente. Dano ambiental : prevenção, reparação e repressão. Coord. Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 308.
  127. Cf. URRAZA ABAD, Jess, op. cit., p. 180. Para este autor, o princípio da realidade indica a necessidade de o Direito Ambiental ter a sua elaboração apoiada numa minuciosa análise da realidade ambiental; o princípio da solidariedade baseia-se na idéia de que sendo o problema ambiental pertinente ao gnero humano, há um permanente dever de unidade de ações, aí estando englobado também os princípios de informação, de cooperação internacional, de igualdade entre os Estados e do patrimônio universal (Op. cit., p. 176-177).
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