19/09/2025 6 min de leitura

A PRAÇA NOVE DE JULHO E OS AMBULANTES

Nelson R. Bugalho
Advogado Ambiental
Promotor de Justiça do Meio Ambiente (1987-2023)
Vice-Presidente da CETESB (2011-2016)
Prefeito de Presidente Prudente (2017-2020)
Mestre em Direito Penal
(Artigo publicado no jornal O Imparcial)

Assim que se fez noite no dia 18 de junho de 2005, a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente deu início a obras de ampliação da avenida Cel. José Soares Marcondes e de estacionamento ao lado do posto da Polícia Militar, sacrificando parcialmente a Praça Nove de Julho, e o mesmo seria feito também no lado oposto da praça. Estava em curso o “projeto” de parcial destruição da praça. 

A ação, inusitada, foi concebida à margem da legalidade e dos princípios democráticos que deveriam inspirar qualquer decisão que pudesse afetar bem de uso comum do povo e de inegável valor cultural como a Praça Nove de Julho, e por conta disso foi proposta ação civil pública pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, sendo que o Poder Judiciário prontamente ordenou a paralisação das obras, e isso em plena madrugada do dia 19 de junho de 2005.

Na ação proposta foi declarado judicialmente o valor cultural (histórico e paisagístico) da Praça Nove de Julho, bem como a obrigatoriedade de sua preservação na condição de patrimônio cultural do Município de Presidente Prudente (Processo n. 1.469/04 – 2ª Vara Cível).

A Praça Nove de Julho deveria ser conservada não só pelo seu valor histórico e paisagístico, mas simplesmente porque é praça. Desde o surgimento da cidade, no auge do ciclo do café, o local onde está instalada a Praça Nove de Julho foi um ponto de referência para toda comunidade, estando localizada de forma exata no centro do núcleo urbano que nascia. Aliás, ela já constava no projeto urbanístico da cidade, em 1910, quando ainda era chamada simplesmente de Vila Goulart.

Onde hoje está a praça foi construída a primeira igreja da cidade, em 1918, exatamente no local em que está instalada a fonte luminosa que somente muitos anos depois seria construída. Nessa mesma capela foi também celebrada a primeira missa em solo prudentino, e desde sua inauguração, em 1933, a Praça Nove de Julho tornou-se palco de incontáveis manifestações artístico-culturais e políticas, além de constituir-se num espaço de lazer, sendo ela um referencial à memória do povo desta cidade, resistindo ao tempo e ao ímpeto dos governantes municipais, que de tempos em tempos alteraram suas características originais.

A Praça Nove de Julho, apesar de algumas alterações já sofridas ao longo dos anos (supressão de árvores, alteração das cores da fonte luminosa, instalação de posto policial etc.), é uma rica fonte dos traços arquitetônicos de épocas passadas, merecedora de especial proteção porque se constitui num patrimônio cultural a ser preservado para todas as gerações, presentes e futuras.

Apesar disso, o que se tem verificado na aludida praça é algo que já foi verificado em outras praças: a ocupação do espaço público por trailers, camelôs e outras atividades que se instalam ali de forma definitiva, inclusive com a construção e fixação de barracas de forma permanente. Nada contra a presença de ambulantes na praça, mas isso tem de ser feito de forma planejada e controlada. 

Evidente que numa praça algumas atividades podem ser toleradas, como, por exemplo, a venda de pipocas, doces ou a exposição e venda de artesanato, mas não como se verifica atualmente na Praça Nove de Julho. O que se observa é a instalação e, em praticamente todos os casos, a fixação no solo de bancas, barracas e trailers, inclusive sem nenhum padrão. 

A praça, que é logradouro público por excelência, vem sendo “confundida” com local para exercício de atividades comerciais. A praça não pode ter essa destinação. Praça é para lazer, para embelezamento da cidade, para reunião de gente ou até para o exercício de um sem-número de atividades diferentes, como manifestações, apresentações e tantas outras.

O que se quer é muito simples: que os ambulantes sejam verdadeiramente ambulantes; que a praça não se converta num espaço tomado de barracas fixas para o exercício de atividades essencialmente privadas em detrimento do interesse coletivo. Apesar da simplicidade dessa afirmação, dias atrás uma rede de televisão deu essa notícia de tal forma que fez o público entender que o Promotor, insensível, queria impedir a permanência de ambulantes idosos da praça. Nunca se pretendeu isso. A edição da matéria mostrou apenas esse lado “sentimental” da questão, não abordando os aspectos culturais pertinentes àquele espaço público, de interesse de todos. O deslocamento dos carrinhos dos ambulantes por algumas poucas dezenas de metros não é sacrifício algum. Já a manutenção da situação que hoje se verifica, com o possível agravamento acaso nada seja feito, implicará no sacrifício de uma praça histórica, que é de todos. 

Essa é uma decisão que deveria ser compartilhada por todos, sobretudo por aqueles que por sua formação técnica têm a exata compreensão do significado que uma praça tem no contexto urbano. Nessas horas deveria um professor de uma conceituada universidade pública desta cidade contribuir positivamente para a solução desse problema, e não ironicamente sugerir a construção de um túnel entre um condomínio desta cidade até o Fórum local quando aborda outra questão urbanística. 

Talvez não se disponha a discutir problema dessa magnitude com seriedade porque infelizmente neste país é muito desgastante fazer cumprir a lei. Então se ignora a lei. São poucos os que estão dispostos a exigir o cumprimento da lei.    

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